Em pouco mais de uma década, o número de casais sem filhos aumentou 40,9% no Rio Grande do Sul. O crescimento é resultado de um comportamento cada vez mais comum entre homens e mulheres, que vem mudando a estrutura das famílias e, consequentemente, impacta os idosos. Enquanto alguns lidam bem com a ideia de não ter netos, outros fazem certa pressão ou se magoam pela expectativa frustrada. Há também aqueles que julgam suficiente serem “avós de pet”.
É o caso de Renita Toffanello, 75 anos, e José Afonso Toffanello, 77. Os moradores de Porto Alegre são pais de Cristiane, 48, e Vinícius, 43, que decidiram não ter filhos. De acordo com o casal, ter netos nunca foi um sonho e, na família, nunca houve pressão ou cobrança para isso.
— Nunca na minha vida eu pensei em ser avó. Eu sempre pensei em ser mãe e eu fui mãe. Eu tive os filhos que eu quis. Eu nem guardei nada para neto, porque a decisão não é minha. É coisa deles (os filhos). Eles que têm que sentir a necessidade de ser pai, mãe — destaca Renita.
José concorda:
— Eu não sinto falta. Não tenho nada contra, mas não me faz falta. As pessoas me perguntam e eu respondo: “não, não tenho neto, sou muito novo para isso”.
Mesmo com a ausência de crianças, o casal não enfrenta a sensação de “ninho vazio”. Isso porque a residência onde moram é frequentemente preenchida por alguém que, além de trazer alegria, faz muita bagunça: Lisa, a cadela da raça Beagle que é “filha” de Vinícius.
Tratada como neta pelos idosos, Lisa é definida como uma cachorrinha muito querida e amorosa. Ela fica com os avós sempre que necessário e, na residência do casal, há inclusive uma foto sua na geladeira e um cesto com seus brinquedos.
— Quando ela veio, meu filho entregou para mim e disse que precisava da minha ajuda. E aí eu fiquei bastante tempo com ela, porque ela não tinha as vacinas para ir para a creche. Ela alegra a casa. Então, para mim, está de bom tamanho. É como se fosse minha neta mesmo, ocupa um lugar grande no meu coração — derrete-se Renita.
Expectativa frustrada
Ao contrário de Renita e José, que nunca cobraram por netos, algumas pessoas encaram a situação de outra forma. Martin Henkel, CEO da SeniorLab e professor de Marketing 60+ na Fundação Getulio Vargas (FGV), comenta que muitos idosos idealizaram ter a casa cheia de netos e que, por isso, acabam sentindo o impacto da decisão dos filhos.
— Ao enfrentar essa nova realidade, as emoções e sentimentos associados à menor convivência ou ausência de netos são as que trazem mais impactos. Percebe-se um aumento importante no sentimento de solidão, que leva à tristeza e, em alguns casos, à depressão — aponta Henkel, acrescentando, contudo, que o cenário também ajuda a “empurrar” esses idosos para fora de casa.
Nesse sentido, o professor ressalta que muitos aproveitam para encontrar outras formas de diversão e de ocupação do tempo. Como exemplo, cita fazer viagens, criar grupos de amigos, voltar a estudar ou empreender, bem como realizar sonhos antigos.
Henkel corrobora a afirmação citando dados obtidos por meio de um levantamento realizado pela SeniorLab com 12,5 mil pessoas com mais de 60 anos. O estudo mostrou que cuidar dos netos é apontada como a 18ª opção de hobbie para mulheres 60+ das classes A, B e C:
— O que podemos perceber é que realmente há um movimento em que os netos não são mais a prioridade. A prioridade está sendo cuidar de si, cuidar do seu lazer, da sua saúde mental, para aí sim conseguir dar uma atenção mais plena e mais completa para os seus netos.
Medo da solidão e como lidar
Psicóloga gerontóloga e coordenadora do Núcleo Longevidade do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (Cefi), Simone Burmeister relata que muitas pessoas idosas falam sobre o desejo de ter netos durante os atendimentos. Junto a isso, demonstram também uma preocupação relacionada à solidão dos filhos no futuro.
— Outra coisa que eles trazem também é o medo da solidão deles, porque os netos renovam as relações. E aí, quando não têm netos, os filhos se envolvem muito mais com carreira, viajam muito mais, mudam de cidade com mais facilidade. Então, eles perdem a companhia dos filhos também. E o neto dá aquela sensação de que os filhos vão ficar mais perto e é uma forma de reviver a infância dos filhos — ressalta Simone.
A dificuldade de aceitar a decisão dos filhos, contudo, parece não ser tão presente entre pessoas de nível sociocultural mais alto. Isso porque, conforme a psicóloga, elas entendem as mudanças da sociedade e acabam entendendo e até valorizando a escolha dos filhos.
Tempo para aproveitar a vida
De toda forma, para as pessoas que apresentam certa dificuldade ou mágoa em relação ao assunto, Simone estimula que tentem ter uma visão mais positiva, considerando que seus filhos estão podendo se desenvolver de outras formas. Já em relação ao medo da solidão, a psicóloga enfatiza ainda que ter netos não é uma garantia de ter companhia para o resto da vida.
— Os idosos também vão ter ganhos com isso (de não serem avós) em termos de tempo, de menor responsabilidade, de poder aproveitar a sua terceira idade, viajando mais, descobrindo outras coisas, fazer amizades. Porque muitas vezes os netos ocupam tempo e tiram um pouco a liberdade — finaliza.