"De tempo somos/ Somos seus pés e suas bocas/ Os pés do tempo caminham em nossos pés/ Cedo ou tarde, já sabemos, os ventos do tempo apagarão as pegadas/ Travessia do nada, passos de ninguém? As bocas do tempo contam a viagem". Foi deste escrito de Eduardo Galeano que o Grupo Galpão (MG) retirou o nome do espetáculo que celebra a sua longa história: De Tempo Somos — Um Sarau do Grupo Galpão.
Pinçando músicas de toda a trajetória da trupe, a montagem já circula pelo Brasil há oito anos, mas em 2022 ganha um significado ainda maior: estabelece a entrada em uma nova década para os artistas mineiros — em novembro, a companhia teatral completa 40 anos de existência.
E uma das paradas para que as "bocas do tempo" contem essa viagem de quatro décadas será no 16º Palco Giratório Sesc RS. As sessões da peça serão neste sábado (28) e domingo (29) — últimos dias desta edição do festival —, a partir das 21h, no Teatro Renascença (Avenida Erico Verissimo, 307), em Porto Alegre. Os ingressos, porém, já estão esgotados. E isso é motivo de comemoração por parte dos integrantes do Galpão, que buscam calor humano depois de dois anos afastados dos palcos por conta da pandemia.
— Porto Alegre está no roteiro do Galpão há muitos anos, desde o começo do grupo. E a gente sempre foi muito bem recebido, com muito carinho. Temos laços com esse público. E eu fico muito feliz de saber que a pandemia não esfriou essa relação afetiva. Estamos com saudade — comemora Simone Ordones, que integra o elenco de nove atores em cena e é diretora do espetáculo, ao lado de Lydia Del Picchia.
Quem conseguiu garantir a sua presença no espetáculo encontrará canções, poesia e festa. A apresentação conta com 25 músicas que fizeram parte de montagens antigas e também de trabalhos recentes da companhia — como A Comédia da Esposa Muda (1986), Romeu & Julieta (1992) e Um Homem É um Homem (2005). Peças como Nós (2016) e Outros (2018) ganham espaço no bis.
Além da cantoria, o espetáculo conta com fragmentos de textos de autores como Baudelaire, Kerouac, Nelson Rodrigues, Tchékhov, Leminski, Calderón de la Barca, Saramago e do próprio Galeano, que tem o seu escrito que dá nome ao sarau recitado logo no começo, abrindo os trabalhos. O sarau dura em média 70 minutos e é dividido conforme as estações do ano, iniciando-se na primavera. Esse é um exercício para a plateia: notar como o jeito de tocar as músicas muda conforme passam as estações.
— Como não somos músicos profissionais, tentamos tocar o mais bonitinho e mais afinado possível. Não temos essa facilidade para tocar outras músicas. E, por causa desse subtexto das estações, nos orientamos em como tocar cada música. Tocar com mais calor, com mais frio... — explica Simone.
A diretora conta ainda que as músicas foram escolhidas pelo afeto dos membros da trupe e que não estão dispostas cronologicamente. Todas elas, no entanto, estão amarradas com a questão da passagem do tempo, assim como os textos recitados durante a apresentação. Para Simone, esta apresentação tem tudo para mexer com a nostalgia de quem acompanha o Galpão há anos, mas também para conquistar um público novo, que ainda não conhece a companhia, mas que está em busca de diversão e emoção. Afinal, segundo ela, a música chega "direto no coração".
— O teatro é a arte da presença. O público diante dos artistas, os artistas diante do público. Esse encontro é efêmero, mas único, e pode ficar marcado para o resto da vida — diz a diretora.
E, para o futuro, o Cabaret está chegando. Esta deverá ser a nova peça/festa do Grupo Galpão, com previsão de estreia para o ano que vem. No momento, é claro, os integrantes trabalham na escolha das músicas. Tudo dentro do tempo da arte.