— Se acontece uma grande catástrofe no mundo, morre todo mundo e fica uma pessoa viva. O que vai viver nessa pessoa? A arte de poder falar um monólogo. E se sobraram duas, vai ser um diálogo. Não vai ter luz para fazer televisão, não vai ter equipamentos, vai ter só gente. O teatro passa pelas crises, mas é eterno. Ele não tem fim.
Este é o grau de admiração que Ítala Nandi tem pelo teatro. E, por isso, a atriz escolheu esta arte para celebrar as suas oito décadas de vida, a serem completadas no dia 4 de junho. Em cima do palco, ela vai canalizar os seus quase 65 anos de carreira no solo performático Paixão Viva, escrito por ela própria e pelo cineasta Evaldo Mocarzel, que também dirige o espetáculo.
Durante 90 minutos, o monólogo conta com cenas projetadas no corpo de Ítala, que revisita personagens, criando diálogos imaginários com pessoas que influenciaram profundamente a sua vida e a sua arte — a intenção é que o espetáculo não tenha fronteiras definidas. Na narrativa, a atriz transita entre passado, presente e futuro, tudo isso enquanto ainda abre um diálogo com o espectador.
O monólogo, que foi apresentado pela primeira vez no ano passado em formato de live, agora chega aos palcos presencialmente, fazendo a sua estreia na 16ª edição do Festival Palco Giratório Sesc RS. As apresentações ocorrem nesta quinta (26) e sexta-feira (27), no Teatro do Sesc Centro (Av. Alberto Bins, 665, Centro), em Porto Alegre, a partir das 19h. Os ingressos podem ser adquiridos aqui.
Depois, fora da programação do Palco Giratório, a peça vai para Caxias do Sul, cidade-natal da protagonista, sendo apresentada no domingo (29), a partir das 19h30min, no Teatro do Sesc Caxias do Sul (Rua Moreira César, 2.462, Centro). Na terça (30), o espetáculo chega a Gravataí e poderá ser conferido no Teatro do Sesc Gravataí (Rua Anápio Gomes, 1.241, Centro), a partir das 20h. E é o pontapé inicial da sua turnê — a intenção de Ítala é percorrer o Brasil inteiro.
— A peça é uma antropofagia no sentido de se aprofundar sobre o nosso país, sobre a nossa área cultural. Eu vivenciei momentos muito importantes na minha vida, e a peça é uma ideia que vem do meu eu, da minha vivência, para o nós, que estamos vivendo este momento complexo. A apresentação tem muita profundidade, muitos temas, e é muito engraçada ao mesmo tempo, porque eu não consigo ficar séria muito tempo — destaca a atriz.
Na atividade
Ítala afirma que não se sente chegando nos 80 anos. Porém, ela sabe que a idade existe e agradece a si mesma, por cuidar de seu corpo, e "aos deuses", por terem proporcionado uma jornada que a permitisse se tornar octogenária cheia de energia para seguir desenvolvendo cultura. E é na arte que ela enxerga que estão as raízes da população, mas que, no momento, não estão sendo regadas, o que gera discriminação e ódio.
— No Brasil, a gente está vivenciando momentos de muita baixa cultura. Está havendo uma discriminação não só para idade, mas com mulher, com negros. Então, está havendo um retrocesso em relação à cultura, com relação ao desenvolvimento do ser humano brasileiro. É possível resgatar isso com humanismo, mais bom senso, ações mais dignas, mais verdades, mais amor, mais paz — defende ela.
E, no que depender de Ítala, ela vai seguir trabalhando para levar cultura e combater o ódio por meio da arte. Além de Paixão Viva, a atriz já tem uma série de produções pela frente: em julho, começa a rodar o filme Clube das Mulheres de Negócios, de Anna Muylaert. Na sequência, ela tem também o longa Vermelho, de Orlando Senna.
Ainda dentro do audiovisual, trabalha em projeto no Rio Grande do Sul, mais especificamente em Bagé, onde ela pretende dirigir o curta-metragem Cine 9ª Légua, que também terá roteiro seu. No mundo do teatro, vai atuar ao lado de Werner Schünemann na peça A Caçada, de Evaldo Mocarzel. Vale destacar, ainda, que a atriz também é autora, doutora em Artes Cênicas e dona de uma escola de formação de atores, o Espaço Nandi, no Rio de Janeiro, onde mora desde 1971.
Conhecimento
Nem é preciso dizer que Ítala marcou o seu nome na cultura do país. Mas entre inúmeros trabalhos icônicos, alguns ainda se destacaram mais — um dos primeiros que colocaram o holofote sobre a atriz, por sua transgressão, foi quando ela protagonizou o primeiro nu frontal feminino no teatro brasileiro, e em plena ditadura, em 1969, na peça Na Selva das Cidades, dirigida por José Celso Martinez Corrêa. Na ocasião, os censores liberaram o espetáculo, dizendo que a sua nudez era "muito angelical, muito pura".
Porém, na visão de Ítala, sua atuação foi bem mais importante do que apenas algo "angelical":
— A partir daquele momento em que eu fiquei nua no palco, provocou-se um movimento libertário, vamos dizer assim, das mulheres. Eu me recordo de uma entrevista que dei para a revista Realidade, em que eu dizia assim: "Se os homens que transam com muitas mulheres são machos e maravilhosos, por que as mulheres que transam com mais de um são putas?" Foi um escândalo.
Ítala recorda que a revista foi apreendida nas bancas e que a proibiram de falar, mas acredita que isso estimulou uma maior liberdade sexual por parte das mulheres. Vencido este desafio, hoje ela avalia que o que falta é amor.
— É a decadência do amor que estamos vivendo. E isso é mais grave ainda. Quando a gente é governado pelo ódio, através do ódio, isso cria um plasma sobre a população e haverá sempre uma grande dificuldade em relação ao amor. E é isso que eu percebo hoje. Na ausência do amor, a violência cresce muito.
Anos mais tarde, em 1990, Ítala foi escalada para viver Madeleine na segunda fase da versão original de Pantanal, da TV Manchete. Porém, enquanto a novela estava no ar, um roteiro que ela havia mandado quase dois anos antes para a embaixada da Índia no Brasil foi aprovado, e ela teve que tomar "a decisão mais difícil" de sua vida e pediu para deixar o folhetim para atender a um chamado maior e realizar o filme Índia — O Caminho dos Deuses (1991). Por conta disso, a sua personagem foi morta na trama e todo o roteiro teve que ser modificado.
— Mas eu não me arrependo. Eu consegui o que eu queria, ter ideia dos caminhos da minha origem, e com isso também estudei muito hinduísmo, que é um ensinamento muito poderoso, muito avançado. Foi um aprendizado muito grande. E, talvez, tenha sido este aprendizado que me permita estar bem como estou hoje. Perdi uma personagem ótima, mas nunca na minha vida busquei sucesso. Eu sempre busquei conhecimento — finaliza.