Foram quase três anos de espera. O lançamento da quarta temporada de Stranger Things parecia quase tão surreal quanto o Mundo Invertido retratado pela série. Primeiro, teve a demora para dar início à produção dos novos episódios e, depois, houve diversos adiamentos por conta da pandemia. Mas, bem, o novo ano do fenômeno da Netflix finalmente deu as caras e estreia os primeiros sete dos nove episódios nesta sexta-feira (27), com mais a se comemorar do que se lamentar. Mesmo que a fórmula comece a cansar.
A volta da aventura mostra que, em questão de produção, a série retornou mantendo o alto nível, com bastante esmero, enchendo os olhos e respeitando a memória dos fãs, consciente de sua própria demora entre temporadas. Assim, não é preciso ter decorado todos os detalhes que aconteceram nos anos anteriores — lembrar apenas dos pontos mais importantes já é o suficiente para se conectar com a história.
Em Stranger Things 4, seis meses se passaram desde a Batalha de Starcourt, que deixou um rastro de destruição em Hawkins. Agora, uma nova ameaça oriunda do Mundo Invertido começa a atormentar os moradores da cidade: Vecna, uma criatura sobrenatural que invade mentes e leva as pessoas à morte de maneira cruel em poucos dias. O problema é que o monstro começa a ameaçar o grupo de amigos e eles estão correndo contra o tempo para derrotar esta espécie de mago das trevas inspirado em Dungeons & Dragons.
Como se a ameaça não fosse assustadora e difícil o suficiente, a turma está dividida. No final do ano três, após a suposta morte do xerife Hopper (David Harbour), que havia adotado Eleven (Millie Bobby Brown), a menina foi morar com os Byers — Joyce (Winona Ryder), Jonathan (Charlie Heaton) e Will (Noah Schnapp). A família, por sua vez, deixou Hawkins, em Indiana, em busca de um pouco de paz na Califórnia, já que o caçula sofreu poucas e boas no Mundo Invertido.
Afastados e vivendo nos anos 1980, quando a comunicação não era tão rápida quanto hoje, enfrentar o desafio vai ser ainda mais difícil. Afinal, a força da amizade era a principal arma da gurizada — e as habilidades sobre-humanas da Eleven, vale ressaltar. Porém, nem com isso eles vão poder contar, já que a menina gastou todo o seu poder na luta contra o Devorador de Mentes na temporada passada. Vecna, assim, surge com muita vantagem — e traz consigo ainda mais um mistério: ele já havia aterrorizado Hawkins décadas antes.
Pesou o clima
Com esta trama, o quarto e penúltimo ano de Stranger Things encosta muito mais no terror do que nas temporadas anteriores, nivelando o horror em cena com o crescimento das crianças que, agora, já são adolescentes. Inclusive, alguns desenvolvimentos físicos são bem discrepantes dos apenas seis meses que se passam na história entre uma temporada e outra — o Lucas (Caleb McLaughlin) "bombado" pode pegar a audiência de surpresa.
Já as mortes mostradas nesta primeira parte da nova temporada são mais brutais e explícitas, não poupando o gore. Elas, no entanto, não são gratuitas ou feitas apenas para chocar. Os assassinatos ajudam a traduzir para o público a emergência de Vecna que, ao contrário dos Demogorgons, é inteligente e age com requintes de crueldade.
Os episódios neste retorno da série estão mais longos — duram em torno de 1h15min e, segundo os criadores da série, os Irmãos Duffer, o capítulo final da temporada, que será lançado em 1º de julho, deve ter 2h30min. Ou seja, cada capítulo é como um filme. E com isso dá tempo de desenvolver ainda melhor os personagens e criar uma tensão na torcida pelo bem-estar deles. Apesar de o roteiro já ser conhecido, ajuda a manter o ritmo a direção competente — nestes seis primeiros episódios aos quais GZH teve acesso, além dos veteranos Irmãos Duffer e Shawn Levy, Nimród Antal também assume o comando, com dois capítulos para cada.
Mas nem só o sobrenatural aflige os mocinhos da história. Os dramas da adolescência para o grupo mais jovem e as incertezas da vida adulta para os mais velhos também ganham espaço, com destaque para Eleven. A personagem, que não tem um tato social muito apurado, agora precisa viver em uma cidade grande e frequentar uma escola recheada de desconhecidos, sofrendo bullying e sentindo falta daqueles que foram seus únicos amigos na vida e do namorado Mike (Finn Wolfhard). Logo, espere por muito choro por parte de Millie Bobby Brown, afinal, ela sofre o tempo inteiro. O. Tempo. Inteiro. E, sinceramente, ninguém precisava ver ela no laboratório novamente.
Mentiras, segredos e emoções conflituosas emergem como forma de potencializar o drama da série que, agora, fala abertamente sobre drogas e sexo, mas sem se tornar apelativa neste processo. São temas tratados com naturalidade por jovens que estão vivendo a ebulição da descoberta e tentando se encaixar no mundo, mesmo com toda a carga adquirida enfrentando monstros e acumulando perdas — e sem poderem escancarar o assunto, que foi abafado pelo governo.
Neste ínterim, Max (Sadie Sink), que já havia se destacado no ano anterior, ganha status de protagonista nos quatro primeiros capítulos, uma vez que acumula os dramas pessoais e sobrenaturais, sendo o elo entre os amigos e a nova ameaça. Em paralelo, a trama de Hopper preso pelos russos não tem o mesmo impacto que o resto da aventura, apesar da história do xerife ganhar contornos ainda mais dramáticos ao serem revelados novos detalhes de sua relação com a filha falecida. Entre as novidades, Robert Englund, o Freddy Krueger do cinema, surge como um novo personagem na série, o assustador Victor Creel, que pode ter respostas sobre como derrotar o novo vilão — que conversa muito com a franquia A Hora do Pesadelo.
Apesar de a série ser muito bem feita, é importante pontuar que o roteiro reempacota a fórmula que já havia dado certo no passado — e isso não chega a ser algo grave, já que a Marvel faz isso há quase 15 anos. Mas, enquanto Stranger Things ganha na questão de não ter pressa para lançar uma nova aventura, conseguindo entregar um produto mais caprichado, o universo de super-heróis conta basicamente a mesma história com outros personagens, em outros universos, trazendo sempre um falso ar de novidade, mas que ajuda a distrair a audiência.
Então, nos seis primeiros capítulos, Stranger Things 4 entrega tudo aquilo que os fãs da série aprovaram nas temporadas anteriores e aumenta a carga que seus protagonistas podem enfrentar. Estão ali, novamente, a nostalgia, a aventura, a conspiração e os monstros. E apesar de ser divertido acompanhar tudo isso, realmente já está chegando a hora desses agora adolescentes descansarem. E, claro, procurarem ajuda psicológica. Afinal, até de uma ocultação de cadáver eles participam nesta temporada. Estão precisando.