Na tarde desta quinta-feira (21), a Justiça indeferiu novamente o pedido de um advogado para proibir as sessões do espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, que tem sessões marcadas para esta quinta e sexta no Teatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mario Quintana.
A atração integra a programação do 24º Porto Alegre Em Cena. O espetáculo escrito pela dramaturga trans escocesa Jo Clifford e dirigido no Brasil por Natalia Mallo tem levantado polêmica por imaginar Jesus na pele de uma travesti, a atriz Renata Carvalho.
Em sua petição, o advogado Pedro Lagomarcino argumentou que o espetáculo seria "um verdadeiro escárnio, um deboche psicodélico de mau gosto, haja vista que subverte questões religiosas e macula o sentimento do cidadão comum, avesso a esse estado de coisa".
Na terça-feira (19), o juiz José Antônio Coitinho, da 2ª Vara da Fazenda Pública, já havia indeferido a liminar para suspender a peça. A educadora Esther Pillar Grossi, madrinha desta edição do Porto Alegre Em Cena, também acionou a Justiça em defesa do espetáculo.
Lagomarcino interpôs recurso, mas a Justiça não chegou a julgar o mérito em segunda instância por entender que a decisão estava "eivada de nulidade absoluta" porque a petição deveria ter sido ajuizada no Juizado Especial da Fazenda Pública.
Assim, o processo retornou à primeira instância, mas o juiz Ângelo Furlanetto Ponzoni também indeferiu o pedido do advogado e confirmou as sessões da peça. Segundo o magistrado, "não há (...) a prática de ilícito no fato de uma peça teatral propor que ‘Jesus volte nos dias de hoje como travesti’, como quer a inicial".
Leia a decisão na íntegra:
Em face da decisão lançada pela Instância Superior, reconhecida a competência do Juizado Especial, bem assim em virtude da manifestação expressa do autor, passo a analisar, novamente, o pedido liminarmente formulado.
Com a devida vênia do entendimento manifestado na inicial, inviável o deferimento do pleito.
O autor fundamenta o pedido, proibição de encenação de peça teatral, nos artigos 208 e 287, ambos do Código Penal, e art. 20, Lei n.º 7.716/89.
Não há, reiterando a vênia, a prática de ilícito no fato de uma peça teatral propor que "Jesus volte nos dias de hoje como travesti", como quer a inicial.
A própria inicial, fl. 05, parágrafo segundo, descreve: "...o autor faz questão de deixar registrado na presente ação, que nada tem contra aos integrantes do movimento LGBT. (sic) Muito pelo contrário, tem, por cada integrante, destacamos, na condição de seres humanos, total respeito."
Assim, se a própria inicial reconhece a condição de ser humano aos integrantes do movimento LGBT, como assevera, merecedores de total respeito, não há crime presente. Noutras palavras, não há como ser reconhecida a prática de alguma das condutas descritas nos tipos penais referidos no fato, repito, de a peça teatral propor o retorno de Jesus Cristo como travesti. Não há vilipêndio público a ato ou objeto de culto religioso, não há prática de discriminação ou preconceito religioso etc. - a não ser que se reconheça uma pessoa travesti como indigna de ser filho de Deus. E, isto, repito, a própria inicial rechaça.
Ante o exposto, INDEFIRO o pedido liminarmente formulado, ratificando, no mais, as bem lançadas razões expostas pelo colega José Antônio Coitinho.
Dr. Ângelo Furlaneto Ponzoni – Juiz de Direito