Os tempos são outros em Downton Abbey, e a chegada do novo é inevitável. Neste segundo filme derivado da aclamada série britânica, que terminou em 2015 após seis temporadas — e diversos Emmys na prateleira —, é hora de se despedir do passado e vislumbrar quais são os possíveis futuros episódios para a família Crawley. Até por isso, o subtítulo do longa, que chega nos cinemas nacionais nesta quinta-feira (28), é Uma Nova Era. Mas a ostentação segue a mesma.
Depois da primeira empreitada dos nobres ingleses no cinema em 2019, parecia que a história havia se encerrado. Afinal, o criador da série, Julian Fellowes, no roteiro do longa, conseguiu amarrar todas as pontas e dar um final digno para os personagens que conquistaram o público ao longo dos anos. Porém, o filme fez um grande sucesso — quase US$ 200 milhões de bilheteria para um orçamento de apenas US$ 20 milhões — e isso é sinal verde para uma continuação ainda maior.
Felizmente, esta sequência não se deslumbrou com as possibilidades que o dinheiro feito no passado poderia oferecer e, ao contrário da família Crawley, conteve-se nas extravagâncias — dentro do limite do possível, é claro, já que para retratar a aristocracia inglesa do início do século passado é preciso certos exageros. Mas Uma Nova Era é simples, mais profundo do que o seu antecessor e surpreendentemente divertido. Pelo visto, o sucesso do longa de 2019 deixou todos os envolvidos mais soltos com as câmeras de cinema. E isso foi também para história.
A trama
Uma Nova Era se passa no final dos anos 1920, mas ainda antes do crash da Bolsa de Valores de Nova York. Nesta época, o modo de vida da burguesia já vinha se modificando e até mesmo para os Crawley a situação já não era mais como nas décadas passadas. Tanto é que os dois arcos do longa colocam a família em busca de novas posses, para que possa seguir com toda pompa e elegância de quem já recebeu uma visita real em seu castelo.
No primeiro deles, a Lady Violet (Maggie Smith, maravilhosamente afiada como sempre) descobre que herdou uma vila no sul da França de um antigo afeto, com quem teve um passado misterioso. Porém, a viúva do falecido que deixou as terras para a matriarca dos Crawley questiona o testamento e, por isso, uma comitiva da família parte de Downton Abbey para tentar resolver a situação, garantir mais um imóvel para o seu inventário e desvendar um possível segredo sobre a linhagem de um personagem importante.
Na outra, uma produtora de cinema oferece uma boa quantia para a família alugar Downton Abbey para ser locação para um filme. Apesar da relutância de Robert (Hugh Bonneville), que acha o "kinema", como ele diz, uma baixaria, Lady Mary (Michelle Dockery) bate o pé para abrir as portas do castelo para a produção, uma vez que o dinheiro recebido poderia pagar o conserto do telhado, que está cheio de goteiras. Pois é, se tá ruim para eles...
E é neste segundo arco que o filme consegue o seu maior trunfo, brincando com a entrega de Downton Abbey para o cinema. Da situação, saem os pontos mais altos das 2h de projeção, como ao mostrar os bastidores de uma produção dos anos 1920, pegando a transição do cinema mudo para o falado, e os membros da família desdenhando do tipo de arte. Isso sem falar em como todos, patrões e empregados, acabam envolvidos no projeto. É hilário, mas também consegue oferecer bons dramas chiques para o público.
Chegadas e partidas
Dentro dos arcos, que transformam o filme em dois, a escrita de Fellowes e a direção do recém-chegado Simon Curtis (Sete Dias com Marilyn) conseguem aprofundar os personagens e entregam momentos formidáveis que provocam riso até de quem está chegando agora no mundo de Downton Abbey. Acompanhar os dramas da burguesia do começo do século passado, que tem preocupações risíveis para o grosso da população — e a solução dos "grandes problemas" são até que bem fáceis. É a mágica do poder financeiro.
Por sinal, é muito interessante a abordagem que a trama dá para a relação dos patrões com os empregados, que vivem para servir e se contentam com o pouco entregue a eles. A luta de classes passa longe do mundo dos Crawley no cinema — e um abraço entre a patroa e o mordomo é um dos momentos mais climáticos. Alheio a esta problematização, Downton Abbey II: Uma Nova Era carrega consigo uma energia leve (principalmente, para os patrões) e um arco como este tiraria o clima novelão das seis a que ele se propõe. E que cumpre com eficiência.
Esta sequência, por sinal, trabalha muito bem a despedida — já esperada — de uma personagem importantíssima para a saga dos Crawley e consegue colocar as demais peças prontas para novas jogadas, sem parecer que está projetando um futuro simplesmente por retorno financeiro, por mais que seja. É tudo tão orgânico dentro daquele universo quase surreal que apesar de, mais uma vez, a história tenha tido amarradas todas as suas pontas soltas, seria muito bem-vindo trazer mais algumas só para amarrar novamente. É como tomar um chá da tarde com bolinho: pode não ser a melhor refeição de todas, mas é, sem dúvida, uma delícia.