O documentário Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela, que chegou ao Globoplay no último sábado (20), é aquele tipo de filme que pode causar indignação ao espectador. Independentemente da relação com a personagem retratada no longa, um sentimento de repulsa, de angústia e incredulidade pode permear o público com a história apresentada. É comum encontrar relatos nas redes sociais de quem se emocionou assistindo.
Assim que surgiu em 1998 com o single ...Baby One More Time, a cantora americana Britney Spears logo se tornou um fenômeno global. Era a princesa do pop. A herdeira de Madonna. Hit atrás de hit: Toxic, Oops!... I Did It Again, I'm a Slave For U, Gimme More, Womanizer, entre tantos outros sucessos nas últimas décadas. Mas vieram as quedas.
Dirigido por Samantha Stark e produzido pelo The New York Times em parceria com Hulu e FX, Framing Britney Spears explora a ascensão e o declínio da cantora. O documentário traz imagens e vídeos de arquivo, além de depoimentos de pessoas próximas à cantora ou especialistas. Nem Britney nem seus familiares participam diretamente do filme.
O documentário começa abordando a infância de Britney, mostrando como desde cedo ela já dava sinais de seu talento. O filme recupera uma apresentação da cantora em um programa de TV, em 1992, quando ainda era pré-adolescente. Ao cantar a balada country Love Can Build a Bridge (no Brasil, a música ganhou a versão Vamos Construir, interpretada por Sandy & Junior), do duo The Judds, Britney esbanja uma voz potente. Após a performance, um apresentador idoso entrevista a jovem. A pergunta: "Notei na semana passada que você tem olhos lindos. Você tem namorado?". Ela diz que não, mas o homem quer saber o porquê. A pré-adolescente pontua: "Eles são cruéis".
Observando em retrospecto, a entrevista soa hoje como premonitória. Havia tanta coisa para se perguntar a Britney. "Do que mais podemos falar com uma mulher ou uma garota?", questiona um depoimento na sequência. Desde cedo, a cantora já lidava com uma indústria machista.
Britney estourou ainda com 16 anos com …Baby One More Time, em cujo clipe ela aparecia vestida de colegial cantando uma letra de duplo sentido — uma polêmica na época. Um depoimento no documentário justifica que não é a parte sexual envolvendo a música ou o clipe que interessava aos adolescentes, mas sim o controle e o domínio de si que Britney apresentava.
Framing Britney Spears recapitula várias aparições da cantora na mídia. Há vários registros de como aquela entrevista que ela concedeu ainda pré-adolescente se reproduzia ao longo de sua carreira. Eram questões incessantes sobre a sua vida sexual ou sobre seu corpo, isso até quando a cantora ainda era adolescente. Há um áudio de uma entrevista de seu ex-namorado, Justin Timberlake, gabando-se publicamente de ter transado com ela. Na separação entre os dois, Britney saiu como culpada porque, supostamente, teria traído o cantor — pouco interessava o que ela tinha a dizer.
As coisas pioram quando, em meados dos anos 2000, os paparazzi passam a persegui-la constantemente. Britney não podia ir à padaria sem ser rodeada por dezenas de fotógrafos. Cada passo dela era seguido e registrado.
Enquanto isso, ela se casou com Kevin Federline em 2004, com quem teve seus dois filhos: Sean e Jayden. O casal se divorciou em 2007, mas a partir dali travou-se uma batalha judicial pela guarda das crianças.
O documentário explora esse período conturbado da cantora, em que ela tenta escapar dos holofotes, sofrendo em público, desejando que a perseguição termine. Sua capacidade como mãe passa a ser questionada pela imprensa, e Federline fica com a guarda de seus filhos. A Britney, nem chorar sozinha dentro de seu carro era permitido, afinal, a cantora era uma figura lucrativa para os tabloides.
Na época, pouco se questionava o tratamento desumano que era dispendido à cantora por parte da mídia. Britney era motivo de piadas de talk shows a programas de concursos, como o documentário exemplifica. Tampouco se falava em saúde mental. É nesta época que ela raspa a cabeça e ataca um fotógrafo com um guarda-chuva num posto de gasolina.
Após internações em clínicas psiquiátricas, enquanto sua imagem pública era dilacerada, o tribunal da Califórnia atestou que Britney era incapaz de cuidar de si mesma. Assim, em fevereiro de 2008, o Judiciário garantiu que o pai da cantora, Jamie Spears, assumisse o papel de tutor — o que se estende até hoje, 13 anos depois. Nos EUA, esse tipo de decisão é mais comum com idosos, deficientes e pessoas demasiadamente enfermas.
Tutoria
Aos 39 anos e com uma fortuna estimada em US$ 60 milhões, Britney não tem controle da sua vida. Por causa da tutoria, é seu pai quem decide cada aspecto de sua vida, desde onde ela pode ir ao que pode fazer com o dinheiro. Receber amigos ou dar uma entrevista? Precisa da bênção de Jamie.
Com todas as amarras, Britney nem comenta sobre o assunto. Há fãs que enxergam mensagens cifradas em seu Instagram e veem um pedido de ajuda. Diante da situação, fãs estão se mobilizando desde 2009 pedindo o fim da tutela, em um movimento que ficou conhecido como #FreeBritney. A campanha voltou a ganhar força de 2020 para cá.
Em novembro do ano passado, a cantora acionou a Suprema Corte da Califórnia para sair da tutela de seu pai, mas perdeu a ação. Jamie sempre alegou que está "protegendo sua filha daqueles que procuram prejudicá-la".
Após o documentário ser lançado no começo de fevereiro no Estados Unidos, a situação da cantora voltou a ter destaque no noticiário e nas redes sociais. Veículos de imprensa, comediantes e até seu ex, Justin Timberlake, pediram desculpas a Britney. A campanha #FreeBritney ganhou eco com celebridades — como Miley Cyrus e Sarah Jessica Parker.
No Brasil, o documentário foi exibido no Cinema do Líder, no Big Brother Brasil 21, na segunda-feira (22). Coincidentemente, o líder da semana é o maior fã da cantora na casa, Gilberto. Ele convidou Sarah, Fiuk e Caio para a sessão. Num primeiro momento, o fazendeiro poderia parecer um convidado deslocado para a sessão. Afinal, ele tem mais afinidade com o sertanejo do que o universo da diva pop. Terminada a exibição, era justamente Caio que expressava aquele turbilhão de sentimentos descritos no primeiro parágrafo, que podem acometer os espectadores:
— A mulher vendeu 60 milhões de cópias de um disco e não pode pôr a mão em nada. Dá raiva porque eles destruíram ela. Para você ver como isso é importante, muita gente não sabe da história e mete o pau. Critica, xinga, humilha, fala o que não sabe, culpa a menina ainda (...). Imagina quanta coisa essa menina passou, quanta pressão...