Por Paulo Gomes
Professor do Instituto de Artes da UFRGS
Quem foi Christina Balbão? O que faz dela uma referência obrigatória da história da arte no Rio Grande do Sul? Qual a importância de sua obra? Qual o exemplo que ela deixou? É isso o que a exposição Christina Balbão – Além do Silêncio, no Margs, se propõe a responder. Se são muitas as perguntas, e vale enumerá-las. Elas são respondidas com competência e qualidade pelas curadoras Blanca Brites, Cristina Barros e Mel Ferrari.
Christina Helfensteller Balbão (Porto Alegre, 1917-2007), além de excepcional professora e administradora competentíssima, foi uma pintora consistente, uma desenhista invulgar e uma escultora excepcional. Dela tínhamos, nas coleções públicas, poucas obras. No entanto, o conjunto atualmente no Margs nos dá a dimensão da potência criativa e expressiva de seu trabalho. Se sua trajetória não teve a visibilidade de suas contemporâneas – a exemplo de Alice Soares (1917-2005), Alice Brueggemann (1917-2001), Leda Flores (1917-2016) e, em menor grau, Dorothéa Vergara Pinto da Silva (1924-2021) –, isso se deve à sua opção profissional, vinculada à docência e à gestão cultural.
Professora admiradíssima, lecionou no Instituto de Artes de 1943 a 1987, primeiro como assistente de Fernando Corona (1895-1979), na cadeira de escultura e, após, nas disciplinas da área de desenho. No Margs, atuou de 1954 a 1987, participando de sua fundação e vivenciando todas as etapas de estruturação do museu. Após 1987, quando de sua aposentadoria compulsória em ambas instituições, frequentou assiduamente os eventos artísticos e culturais locais e nacionais.
Da numerosa obra em exibição (parte de um espólio bem maior), pouco tinha vindo à tona; muito pouco, na verdade, frente ao abundante e maravilhoso espólio de desenhos, pinturas e esculturas, agora incorporados ao acervo do museu.
Ao percorrermos a mostra, dois destaques devem ser observados: primeiramente, as esculturas, retratos de grande precisão psicológica e intensa vitalidade. Nelas identificamos a alta qualidade formal e o tratamento rigoroso do material, plasmado em formas de notáveis expressividade e verossimilhança. O outro destaque (não falando aqui dos excepcionais desenhos e das belas pinturas) deve ser dado às experiências pictóricas em abstração, sobre as quais a artista comentou, em depoimento publicado em 50 Anos do Margs – Memória do Museu: “Eu tive aquela ‘onda’ de ser moderna. Peguei aquele espírito no ar. Ia ao Rio e São Paulo, ia regularmente às bienais, conheci artistas. Esses contatos, para nós que estávamos meio isoladas, eram muito bons. (...) É verdade que não me sobrava tempo para a pintura. Deu-me prazer alguma coisa que esporadicamente fiz, coisas abstratas, enquanto outros artistas se apegavam muito mais ao tradicional” (2005 p. 76).
Como ser artista, nos anos 1940 e 1950, no Rio Grande do Sul? A profissão artista, escolhida por Christina Balbão e pelas colegas supracitadas revestiu-se da inevitável multiplicidade de orientações: pintoras todas elas, escultoras Alice Soares, Dorothéa Vergara, Leda Flores e a própria Balbão. Três delas, Alice (Soares), Dorothéa e Christina, orientaram-se para o magistério e para a administração na área cultural, exercendo cargos técnicos, tanto no Instituto de Belas Artes, na UFSM e no recém-criado Margs. Para as mulheres, a profissão de artista, no Rio Grande do Sul, até a década de 1940, praticamente inexistia. Foi quando elas promoveram, em 1947, uma exposição na Galeria do Correio do Povo. A mostra é um marco fundador da profissionalização das mulheres nas artes plásticas locais, independentemente dos notáveis testemunhos de Judith Fortes (1986-1964) e Amélia Pastro Maristany (1897-1979) nas décadas anteriores.
São muitas as virtudes e os méritos da exposição Christina Balbão – Além do Silêncio. Dar visibilidade à obra de uma artista praticamente desconhecida; revelar a trajetória de uma agente cultural e da primeira professora do curso de Artes do Instituto de Belas Artes; celebrar a doação do espólio da artista, recebido pelo Margs; atualizar, para os contemporâneos, as enormes dificuldades de construção da carreira de artista pelas mulheres, nos anos 1940 a 1960; descobrir que Balbão produziu, e expôs, pinturas abstratas nos anos 1940; que foi uma escultora superlativa. Isso tudo está visível no projeto curatorial cuidadoso, atento, detalhista e exemplar, tanto pela sua abrangência e qualidade, quanto por sua importância.
Christina Balbão – Além do Silêncio
Cerca de 130 obras, parte delas inéditas, além de documentos e outros materiais biográficos. Curadoria: Blanca Brites, Cristina Barros e Mel Ferrari. Na Sala Aldo Locatelli e nas pinacotecas localizadas no 1º andar do Museu de Arte do RS – Margs (Praça da Alfândega, s/nº, Centro Histórico), em Porto Alegre. Visitação até 10 de março, de terça a domingo, das 10h às 19h (último acesso 18h), com entrada gratuita.