Há dois meses no comando do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), Francisco Dalcol toma posse como diretor-curador oficialmente neste sábado (16), em cerimônia seguida pela inauguração de sua primeira exposição: Acervo em Movimento. Nascido em Bento Gonçalves, em 1981, Dalcol foi editor e crítico de arte de Zero Hora, atuou como curador independente e, em 2018, concluiu doutorado em artes visuais. Nesta entrevista, ele divulga as suas estratégias para o principal museu do Estado. Além de atuar como curador, com o apoio de novos comitês de curadoria e acervo, pretende dar protagonismo a ações educativas, alongar o período das exposições e tornar o museu mais inclusivo (veja a programação abaixo).
O que muda nesta gestão?
Primeiro, vou aumentar as janelas expositivas, que passam a ter quatro meses. O museu vinha tendo exposições de um mês e meio (de duração). Além de sobrecarregar as equipes, isso dificulta que se desenvolvam ações educativas. E uma das premissas da minha gestão é que as exposições nasçam já com a participação do educativo.
Identificou outros problemas?
O museu precisa ter uma política mais consistente de exibição. Vigora aí fora que o Margs cobra dos artistas para exporem. Não posso falar da gestão anterior. Por outro lado, entendo que o Margs tem limitações de recursos.
Como fazer exposições sem dinheiro?
Quero que o Margs dê bastante ênfase ao seu acervo. Temos mais de 5 mil obras do século 19 à atualidade, de arte acadêmica, moderna e contemporânea. Uma das missões do museu é exibir esse acervo, não só colecionar, conservar, restaurar e documentar. Essas exposições podem envolver parcerias com outras instituições, sociedade civil ou consulados. O segundo eixo é de ocupação de espaço: acolher propostas de exposições que procuram o Margs. Esses projetos devem ser autofinanciados. É uma forma de constituir uma programação viável.
E como essas exposições externas serão selecionadas?
Não é só por decisão do diretor, porque entendo que isso deixa muito personalista. Estou instituindo um comitê de curadoria, que tem como missão me assessorar e também avaliar e emitir pareceres sobre os projetos expositivos que procuram o museu. Então, ter recursos não significa que o projeto vai entrar no museu. Por isso, a criação de uma instância: para não privilegiar um grupo que, por deter capital econômico, consiga viabilizar exposições. Estou tentando ser muito explícito para não dar margem a essa coisa de “Margs cobra dos artistas”.
Com quais recursos o Margs conta atualmente?
O governo garante o pagamento das despesas de luz, água, funcionários, telefonia, segurança e limpeza. Para fazermos exposições e outras ações da programação, não tem dinheiro. A gente precisa da Associação dos Amigos (AAmargs), que tem recursos pelo aluguel dos espaços, que são o bistrô, o café e a loja, mas isso acaba consumido pelo cotidiano do museu. E temos um plano anual pela Lei Rouanet de meio milhão. É muito pouco. Um plano do Masp ou do Tomie Ohtake é de R$ 18 milhões ou R$ 20 milhões. E esse meio milhão não é só para exposição, é também para manutenção da infraestrutura.
A captação alcança esse valor?
Nunca. Não temos uma operação superprofissional de captação de recursos. É um trabalho voluntário da AAmargs. O plano anual, que é por meio de dedução de Imposto de Renda, é dependente da iniciativa privada, não só de estatais, como Sulgás, BRDE e Banrisul (BRDE já anunciou que deve seguir patrocinando o museu). Gostaria que o setor privado visse no Margs um lugar de investimento para cultura, educação e cidadania.
A programação do museu deve valorizar mais artistas jovens ou nomes históricos? Entendo que o Margs não é um ponto de partida de trajetória artística, mas um ponto de chegada. Artistas mais jovens devem ter lugar no Margs desde que já tenham inserção no circuito. O Margs não é o lugar para lançar artistas, isso cabe mais ao Museu de Arte Contemporânea (MAC) e ao Instituto Estadual de Artes Visuais.
Estuda fazer parcerias com instituições do centro do país?
É desejado e bem-vindo, mas tudo depende de aporte financeiro. Nos anos 1990 e 2000, o Margs recebeu grandes exposições internacionais e hoje não recebe mais. Naquele contexto não existia Fundação Iberê Camargo nem Santander Cultural, e o momento econômico era favorável. Entendo que hoje esse não é o papel do Margs. Talvez não tenha que ambicionar exposições desse quilate porque já tem duas instituições fazendo isso. E elas não têm o acervo que o Margs têm, são mais espaços expositivos e menos museu.
Qual a condição do prédio?
Teve um dia em que desabou um teto de gesso no banheiro. Todo dia tem uma coisa que acontece. A AAmargs tem garantido agilidade para o que é mais necessário. O que conseguimos empurrar um pouco, encaminhamos com o Estado. É um prédio tombado, da década de 1910, do Theo Wiederspahn. O ideal é que passasse por um restauro completo, como ocorreu entre 1997 e 1998, mas isso não está previsto. Em janeiro, estragou o sistema de climatização. É uma dificuldade histórica no verão, não dá conta, é um sistema antigo. Pelo PAC Cidades Históricas, está prevista uma substituição completa do sistema de climatização. Também está previsto o restauro do terraço e dos quatro torrões.
Como está o PPCI?
Falta só uma certificação do Corpo de Bombeiros, que já está na Secretaria da Cultura. Dá para dizer que o Margs é a instituição artística do Estado com a questão mais avançada.
E as condições do acervo?
Está muito bem organizado. Mas temos falta de espaço. Estou retomando as tratativas do prédio anexo (edifício vizinho ao Margs que pertence à Receita Federal e é requisitado pelo museu há décadas). O Margs precisa crescer.
Há previsão de aquisições?
Estou instituindo um comitê para avaliar a entrada de obras no acervo. O Margs não compra obras hoje. Recebe doações, mas isso tem custo para o museu, tem de ser avaliado, considerando o nosso espaço, o que já temos e outros acervos de Porto Alegre. Se a Pinacoteca Aldo Locatelli já tem essas obras, por que o Margs tem de ter? Os acervos devem ser complementares dentro de uma cena artística.
Acervo em Movimento
Exposição coletiva definida como experimento de curadoria: a cada mês, uma parte da mostra será trocada por uma das equipes do museu. Com curadoria do diretor Francisco Dalcol, as primeiras obras em exibição são de épocas e estilos diferentes, assinadas por artistas como Debret, Tarsila do Amaral e Guignard, entre outros. Em cartaz de sábado (16) até 21 de julho.
Programação anunciada para o segundo semestre
Escultura moderna gaúcha - Exposições devem homenagear três importantes nomes da escultura moderna gaúcha: Xico Stockinger (1919-2019), cujo centenário é celebrado neste ano, Cláudio Martins Costa (1932-2008) e Carlos Tenius (1939), que neste ano completa 80 anos.
Espaço NO - Mostra em homenagem aos 40 anos da criação do Espaço NO, importante local de difusão da arte contemporânea que funcionava na Galeria Chaves, em parceria com a Fundação Vera Chaves.
Colecionismo privado - Exposição baseada no acervo do colecionador gaúcho Paulo Sartori, com nomes da produção artística moderna e contemporânea do Brasil nos últimos 30 anos. A curadoria deverá ser de Paulo Herkenhoff.
Artistas mulheres - Estão programadas retrospectivas das artistas Lenir de Miranda e Mariza Carpes, além de uma exposição coletiva de artistas mulheres com obras no acervo do Margs.