A empresária Thatiane Pellin começou a dançar em CTG com cinco anos de idade. No Imigrantes e Tradição, de Caxias do Sul, ela aprendeu os passos de inúmeras coreografias – do pezinho ao pau de fitas –, executadas pelas prendas e peões com leveza e precisão. Se surgia uma dúvida, o jeito era recorrer aos livros de Barbosa Lessa (1929–2002) e Paixão Côrtes ou procurar ajuda no boca a boca.
Três décadas depois, a situação não mudou muito. Thatiane segue frequentando o CTG, mas agora para levar a filha Valentina, de sete anos, para participar da invernada. E quando alguma imprecisão nas danças incomoda a menina, a forma de consulta ainda é restrita aos métodos do século passado.
– Ela teve uma dúvida na chimarrita balão, e eu fui para a internet, mas não consegui sanar, mesmo buscando nos grupos em que confiava. Não é possível que, em 2017, a gente não possa tirar uma dúvida no Google. Fiquei com isso na cabeça – conta Thatiane, de 36 anos.
Assim nasceu o projeto 100 Danças com Paixão. Inconformada com a falta de informações disponíveis on-line, a caxiense conversou com amigos do meio tradicionalista e resolveu levar as danças gaúchas para as plataformas digitais. A proposta é fazer cem vídeos explicativos sobre as coreografias, mostrando os passos e abordando também aspectos históricos.
– Só temos dois pesquisadores dessas danças que estiveram de verdade na fonte da informação, o Paixão e o (Barbosa) Lessa. O projeto pretende modernizar a divulgação de todas essas pesquisas. Vamos focar no passo a passo, para que qualquer pessoa consiga dançar – explica o folclorista Sandro Arruda, o Nikito, um dos coordenadores do projeto.
O instrutor de invernadas artísticas colabora com Côrtes em seus cursos e, por isso, tem mais proximidade com as pesquisas realizadas pelo folclorista – muitas resultaram em livros, como o Manual das Danças Tradicionais, lançado nos anos 1950 em parceria com Lessa. Mas as contínuas pesquisas de Paixão, hoje com 90 anos, registraram também coreografias inéditas, que devem ser divulgadas nos próximos meses, norteando boa parte do projeto. As gravações dos primeiros seis vídeos – que tiveram como tema as danças Tirana do Ombro, Valsa de Mão Trocada, Mazurca de Carreirinha, Jardineira, Faca Maruja e Vanerão Sapateado – ocorreram em novembro, com a participação de 40 dançarinos e sob o olhar atento de Marina M. Paixão Côrtes e Carlos Paixão Côrtes, mulher e filho de Paixão.
– É um resgate da cultura para as novas gerações e para todo mundo. Convidamos a família Côrtes para participar, e o projeto tomou outra proporção. Seu Paixão avisou que quer dar o aval nos vídeos, não podemos liberar nada sem o crivo dele – explica Thatiane.
Com lançamento do primeiro vídeo previsto para janeiro, 100 Danças com Paixão tem produção da Spaghetti Filmes e apoio de Diego Muller e Marcio Bertuzzi, na preparação de danças e indumentária, e de Luiz Gustavo Padilha e Ezequiel de Oliveira, na preparação musical. Para estrelar as produções, devem ser convidados diferentes CTGs – já participaram integrantes do Marco da Tradição e do Imigrantes e Tradição. A viabilização do projeto depende da captação de recursos via leis de incentivo e patrocínios, com o valor necessário próximo dos R$ 300 mil.
O cronograma inicial prevê a gravação das danças tradicionalistas em três etapas entre os anos de 2018 e 2019. Todo o material ficará disponível nas redes sociais do projeto – já estão no ar perfis no Instagram e no Facebook e um no canal do YouTube.
Saiba mais sobre cinco danças já gravadas
Faca Maruja
Pesquisada na localidade do Pinheiro Grosso, próxima de Vacaria, na metade do século 20. Dentre os serradores e cortadores de pinheiros, destacava-se a família dos Poncianos, hábeis no manejo do facão. Os peões e prendas bailam em passos de valsa campeira. O homem porta um facão, e a dama um copo de bebida (vinho ou cachaça). Os peões marcam facões entre si e no chão, e as damas brindam e bebericam durante a dança.
Vanerão Sapateado
Paixão Côrtes contou com a ajuda de um informante, Seu Marques de Oliveira, gaiteiro da região da Serra de Camaquã, para pesquisar essa dança, em 1962. Desperta curiosidade porque o peão executa um sapateio enlaçado à prenda. Possui duas figuras: uma para dançar o vanerão (dois pra lá e dois pra cá) e outra com o sapateio do peão enquanto a prenda realiza passos de polca.
Jardineira
Dança universal, em gratidão à boa colheita, em que baila-se com um arco de flores ao redor de uma árvore. Na dança gauchesca, é bailada por pares, em formação de roda, ao redor do Pau de Fitas, em diferentes figuras. Dona Negra Paim, de Vacaria , foi quem repassou a Paixão, em 1951, os passos de reconstituição da Jardineira. Partindo das fontes originais, levou-se 57 anos para completar a pesquisa, nas cidades de Novo Hamburgo e Santo Antônio da Patrulha.
Mazurca de Carreirinha
A dança foi gravada e fotografada em 1985 por Paixão Côrtes com o Sr. João Leães Dias, gaiteiro caçapavense. Com pares enlaçados, os dançantes espalham-se em sentido antihorário e deslizam numa carreirinha, de 10 passos de juntar, em ida e volta, que se repetem.
Valsa de Mão Trocada
Pesquisa realizada em 1954 com o capataz de campo Seu Eloi, no interior de Cruz Alta, e finalizada em 1981, na cidade de Humaitá, com Dona Glória Oliveira da Motta e Luíza Marodim de Jesus. Dança da geração dos pares enlaçados, em passo de valsa campeira. Os pares valseiam em giros, trocando de mãos, para, em seguida, bailarem livremente formando rodas, em que trocam de pares, com movimentos de ida e volta.