Depois de três meses, volto à página do Almanaque Gaúcho. Restabelecido, retomo meu trabalho interrompido em janeiro para férias que não foram plenamente desfrutadas por problemas de saúde que se arrastaram pelos dois últimos meses, me levando a três internações no Instituto de Cardiologia (IC). Faço questão de agradecer à Loraine, minha mulher, e ao doutor Rogério Gomes pela competência e dedicação, assim como a toda equipe do IC.
Sou muito grato, ainda, a todos que se manifestaram me dando apoio e solidariedade, meu reconhecimento e muito obrigado ao Foguinho (Paulo César Teixeira), que interinamente, por todo esse tempo, pilotou este espaço com talento e consideração.
Diagnosticado com uma arritmia cardíaca, contornada sem necessidade de cirurgia, dou a largada para uma nova fase da minha velha vida, com entusiasmo e alguma cautela.
A nossa trajetória (como a do nosso país) é mesmo assim, feita de tropeços e recomeços. Para mim, pessoalmente, é inevitável lembrar que há exatos 60 anos a vida da minha família, como a de milhares de brasileiros, e diria mesmo a da nação, sofreu uma violenta e brusca ruptura então chamada de “revolução de 1964”, mas que a história se encarregaria de redenominar mais precisamente de “golpe de 1964”.
Sim, dia 1º de abril de 1964, uma espessa nuvem institucional de chumbo inaugurou uma ditadura que duraria 21 anos. A deposição do presidente João Goulart e a tomada do poder por uma junta militar mergulhou o país no autoritarismo. A junta, autodenominada Comando Supremo da Revolução, era composta pelo trio: general de Exército Artur da Costa e Silva, tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald, que também eram ministros de Rainieri Mazzilli e que de fato exerciam o poder durante o segundo período de Rainieri (foi interino) na Presidência. O Ato Institucional Número 1 (AI-1) foi redigido por Francisco Campos e assinado por eles.
O objetivo era afastar qualquer forma de oposição e legitimar o novo regime. O documento foi assinado no Rio de Janeiro no dia 9 de abril de 1964. O ato dizia, entre outras coisas: “...É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução”. Em outro trecho explicava: “...A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma.”
Houve uma radicalização da chamada “linha-dura”, que não aceitava um governo de tendência esquerdista, mesmo que eleito democraticamente, como era o caso do governo Jango. Ficaram suspensos por 10 anos os direitos políticos de todos os cidadãos vistos como opositores ao regime, dentre eles congressistas, militares e governadores. Nesse período, surgia a ameaça de cassações, prisões, enquadramento como subversivos e eventual expulsão do país. A Lei de Segurança Nacional, que seria publicada em 3 de março de 1967, teve seu embrião no AI-1.
No dia 10 de abril de 1964, foi divulgada a primeira lista dos cassados: 102 nomes foram incluídos, sendo 41 deputados federais. Entre esses primeiros estavam nomes como: João Goulart, Jânio Quadros, Luis Carlos Prestes, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Samuel Wainer. Meu pai, vereador Hamilton Chaves, seria um deles. Também foram expulsos das Forças Armadas 122 oficiais. Em 15 de abril, o marechal Humberto Castelo Branco assumiu, depois de uma eleição indireta, o cargo de primeiro “presidente” da ditadura militar. Castelo foi responsável por implantar as bases do sistema de repressão que caracterizaria o país por mais de duas décadas.
Como se vê, embora a narrativa dos “eternos descontentes”, como se dizia antigamente, especialmente, daqueles derrotados na última eleição, a situação da atual democracia brasileira é razoável. E, como dizem os italianos: La nave va…