Antigamente, era assim: bastava juntar meia dúzia de rapazes que estavam a fim de jogar bola, comprar as camisetas e inscrever a equipe numa das ligas de futebol amador. Dessa maneira, em 7 de setembro de 1943, foi fundado o Bonsucesso Atlético Clube, o mais antigo time do futebol de várzea da Vila Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre, que está prestes a deixar de existir por conta de dificuldades financeiras.
— A fundação foi decidida à sombra do umbuzeiro que tinha na esquina da Avenida Protásio Alves com a Rua Dr. Ernesto Ludwig. Eu só não estava lá porque era menor de idade – conta Ênio Flores, de 96 anos, presidente emérito e único remanescente dos primeiros jogadores do clube.
O nome foi inspirado no Bonsucesso carioca, mas, para ganhar personalidade própria, os gaúchos escolheram o uniforme nas cores vermelha e verde (o homônimo da zona norte do Rio joga de azul e vermelho). A equipe mandava seus jogos no Barranco, como era chamado o campinho atrás da Gaúcha Car (loja de veículos da Protásio Alves, já fora de operação), onde se localiza hoje a Praça Dr. Luiz Guerra Blessmann. A curiosidade é que o campo tinha um declive, o que fazia com que um dos times tivesse vantagem, já que cansava menos. Naturalmente, no segundo tempo, a descida beneficiava o adversário. O rubro-verde disputava a Liga de Petrópolis, tendo como maior rival o Vila América, da Chácara das Pedras. O clássico da região atraía grande público e, não raras vezes, os ânimos se exaltavam.
— Certa vez, o presidente do Vila América puxou um facão da cintura e eu avisei: “Guarda isso aí, porque aqui ninguém vai brigar” — relata Ênio, que trabalhou durante 42 anos na loja de material esportivo Cauduro, no centro da cidade.
Demorou 10 anos até que o Bonsucesso inaugurasse a sede própria, em 1953, na Travessa Encruzilhada, onde o baile era comandado pelo gaiteiro Pica-Pau, à luz de lampião, já que ainda não havia eletricidade no bairro. Se a equipe ganhava, era para comemorar. Se perdia, acalmava a gurizada. O chão tremia e, muitas vezes, tinha que fechar a porta para não deixar mais ninguém entrar. Com o passar dos anos, as festas de Carnaval, casamento e aniversário do Bonsucesso ganharam cada vez mais relevância na vida social da comunidade.
— Muitos jovens que formaram família se conheceram aqui, inclusive meus pais – diz Maria Inês, filha de Ênio.
O Bonsucesso chegou a ter um jornal mensal, A Chacrinha, e um grupo de teatro amador, além de uma escolinha de futebol para crianças e adolescentes. No esporte, havia espaço também para pingue-pongue, bolão e bocha. O futebol está desativado desde a década de 1970 e, de lá para cá, o número de associados vem diminuindo a cada ano, o que se reflete nas contas a pagar.
No momento, a diretoria busca uma solução em conjunto com os sócios que ainda se mantêm fiéis ao clube para superar a crise financeira, o que implica colocar a sede do Bonsucesso à venda e, com isso, dar o apito final a uma história de mais de 80 anos.