Foi uma aparição meteórica e fulgurante. Em setembro de 1959, a atriz e cantora Marlene Dietrich passou por Porto Alegre durante escala do voo que a conduzia até Buenos Aires, onde daria prosseguimento à turnê que havia iniciado no Rio e em São Paulo. Então com 57 anos, embora já não vivesse o auge da carreira, a estrela de O Anjo Azul, filme de 1930, ainda causava furor na legião de fãs, como relata a reportagem “Um anjo (vestido de preto) sorriu para Porto Alegre”, publicada na Revista do Globo, com data de 5 a 18 de setembro daquele ano.
No Rio de Janeiro, após ser recebida pelo presidente Juscelino Kubitschek no Palácio do Catete, ela havia se apresentado no Copacabana Palace para uma plateia de 700 pessoas em local onde a lotação máxima era de 400. Entre as exigências aos produtores, estava a de que nenhuma corista do espetáculo poderia levantar a perna acima da altura que ela conseguia levantar. Outra imposição era não ser fotografada a menos de três metros de distância. Em contrapartida, como demonstração de simpatia, cantou Luar do Sertão, clássico do cancioneiro brasileiro, de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco.
Em Porto Alegre, ela ficou menos de uma hora, tempo suficiente para atender os fãs e carimbar o passaporte no Balcão de Imigração do Aeroporto Salgado Filho. Conforme o crítico de teatro Claudio Heemann, Marlene apareceu no alto da escada da aeronave e, antes de descer, num “jogo de conquista”, fingiu ter de arrumar a cinta-liga para mostrar suas famosas pernas. Diante da cena, o repórter Enéas de Souza, da Revista do Globo, mencionou a “sensualidade de fêmea sabida, numa sedução que recorda mesmo a sedução universal de Eva sobre Adão”. Empolgado, Enéas citou versos do Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade: “Eu não devia te dizer/ Mas essa lua/ Mas esse conhaque/ Botam a gente comovido como o diabo”.
Apesar de descer da aeronave “com a naturalidade de quem iria passear na Rua da Praia” (na expressão de Heemann), Marlene se incomodou com o tumulto no saguão do aeroporto, tomado por uma multidão de admiradores, e ameaçou dar meia-volta. “Foi justamente no trajeto do avião ao Balcão de Imigração que ocorreu o fato mais dramático da passagem por Porto Alegre.
Pressionada daqui e dali, ela perdeu o sapato, tendo um rapaz o reavido no meio da confusão, para logo o empresário tirá-lo bruscamente das mãos do jovem”, contou a reportagem da Revista do Globo. Houve quem atribuísse a perda do calçado a um jogo de cena, ou melhor, a uma tática para ludibriar a turba. Minutos depois, ela reapareceu com novos sapatos e um sorriso irônico.
Em meio à confusão, deu tempo para responder a duas ou três perguntas dos jornalistas. “Marlene, o que você acha dos homens brasileiros?”, indagaram. “Não tenho opinião sobre eles, pois trabalhei muito”, respondeu a diva, não sem antes pedir um cigarro ao repórter. “Qual é o segredo de sua juventude”, perguntou outro. “Trabalhar, trabalhar, trabalhar”, disse Marlene (que morreria em 1992, aos 90 anos de idade), dando por encerrada a entrevista. E lá se foi o anjo azul cantar para o séquito de fãs portenhos.