Da sacada do sexto andar do Edifício Colonial (um dos primeiros prédios de apartamentos construídos na Rua 24 de Outubro), Renée Zanenga, de 95 anos, testemunhou as mudanças registradas na paisagem do bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, ao longo de mais de sete décadas.
– Estou aqui desde 31 de dezembro de 1948. Eu e meu marido (o médico Nelton Zanenga, falecido em 2010) fomos os primeiros moradores – conta ela.
Com oito andares, o Colonial foi projetado pelo arquiteto espanhol Fernando Corona (um dos mais destacados da Capital na primeira metade do século 20), a pedido de Tasso Corrêa, proprietário do terreno, à época diretor do Instituto de Belas Artes. Renée e Nelton haviam se casado em 11 de dezembro, quando o edifício estava em fase de acabamento – nem eletricidade tinha.
Após alguns dias em São Francisco de Paula, se mudaram para o apartamento 51, de dois quartos, dado de presente pelo pai de Renée, Frederico Walther, dirigente da fábrica de fogões Wallig. Anos depois, quando veio o terceiro filho (no total, foram quatro), o casal subiu para o sexto piso, passando a viver num imóvel mais espaçoso, formado pela junção de dois apartamentos (onde ela está até hoje). A bem da verdade, Renée estava de olho na moradia do último piso, que ocupava um andar inteiro, mas essa acabou sendo alugada pelo cônsul inglês, que fazia festa todo o ano na data de aniversário da Rainha Elizabeth II.
– Os moradores do prédio eram sempre convidados. Fomos diversas vezes – relembra ela.
Como havia apenas uma vaga de garagem, Renée guardava o carro no Colonial, ao passo que Nelton estacionava o dele no posto Ouro Preto, onde hoje está o McDonald’s. Ela foi pioneira ao dirigir automóveis num tempo em que poucas mulheres faziam isso. Aprendeu a guiar ainda adolescente, nas viagens com os pais e as irmãs para Rio de Janeiro e Uruguai, quando ia no banco da frente do Chevrolet 1939. De vez em quando, o pai acendia um cigarro e pedia à filha que fizesse a mudança de marcha. Atenta, ela observava o movimento dos pés dele nos pedais. Resultado: quando fez 18 anos, ganhou de presente um Citroën novinho em folha.
Da paisagem que ela avistava da sacada do apartamento, a maior parte das imagens só existe em suas lembranças. Dali, ela assistia, por exemplo, às corridas do Hipódromo Moinhos de Vento, localizado onde agora está o Parcão (só não dava para ver os metros finais das provas porque o pavilhão de sócios do Jockey Club encobria a visão). Nas imediações, outra diversão era acompanhar os jogos do Grêmio em cadeiras postas à beira do campo da Baixada. Se tomarmos como referência o mapa atual, a linha divisória entre o Jockey Club e o antigo estádio do Tricolor seria a Rua Mostardeiro. Tudo isso ficou para trás, mas continua guardado com carinho na memória de Renée.
– Além do Colonial, o que havia eram as casas de famílias, que foram sendo demolidas uma a uma. Dá uma dor no coração, porque era uma cidade mais bonita e tranquila – conclui ela.