O carnaval de rua de Porto Alegre é bem mais antigo do que pensamos. Acredita-se que a animação esteja presente por essas paragens desde o entrudo, brincadeira trazida pelos açorianos na bagagem, junto com outras festas populares de Portugal, quando fundaram, em 1772, a freguesia de São Francisco do Porto dos Casais. No que consistia o entrudo? As pessoas jogavam limões de cheiro (pequenas bolas de cera do tamanho de um limão, que continham água colorida perfumada) umas nas outras, mas também valia atirar o que estivesse à mão – água, farinha, café, tinta, groselha, lama e até urina.
Segundo os estudiosos, o entrudo remonta a costumes medievais que precediam a quaresma, mesclados com tradições pagãs de origem romana. No Brasil, foi praticado desde o período colonial e não saiu de moda no tempo do Império, apesar dos contratempos. Na Capital, em 1832, por exemplo, o padre e vereador Juliano de Faria Lobato propôs a sua proibição com pena de dois a oito dias de prisão. Apesar da má fama, era exercido também nas casas de famílias de posição social mais elevada. Dizem que até D. Pedro II jogava limões de cheiro nos colegas da corte, no palácio de Petrópolis, onde se refugiava no verão.
Em Porto Alegre, por muito tempo, a folia se espalhou por toda a cidade, mas especialmente em áreas com população majoritariamente negra, como Areal da Baronesa (entre Cidade Baixa e Menino Deus) e Colônia Africana (correspondente hoje aos bairros Rio Branco, Mont’Serrat e adjacências). Por ali, desfilavam blocos como Ases do Samba, Seresteiros do Luar, Namorados da Lua e tantos outros. Poderia falar também das tribos carnavalescas (a primeira é Os Caetés, de 1945), mas vou me ater às escolas de samba – a mais antiga da Capital é a Bambas da Orgia, de 1940, que se originou do bloco Os Turunas.
Ao que consta, os desfiles das escolas porto-alegrenses tiveram início em 1949, na Praça da Alfândega, mas o ano-chave é 1961, quando a Praiana (fundada no ano anterior) desfilou com samba-enredo, alas e pequenos elementos alegóricos, adotando o formato do carnaval do Rio de Janeiro, que predomina até hoje. Para se ter ideia do fuzuê que causou, em 1962, a Praiana foi considerada hours concours e não disputou troféus. À época, o cortejo descia a Borges de Medeiros desde a esquina com a Salgado Filho até o Paço Municipal. Uma parada estratégica era feita na esquina com a Rua da Praia (Esquina Democrática), em frente ao coreto onde se acomodavam as autoridades, incluindo as carnavalescas, como o Rei Momo Vicente Rao (que ocupou o trono de 1951 a 1972).
O último desfile na Borges foi em 1969. As escolas ainda passaram por vários espaços da cidade, como as avenidas João Pessoa e Augusto de Carvalho, até que, em 2003, foram deslocadas para o Porto Seco, onde se encontram atualmente. Desses antigos locais, guardo com carinho a recordação de um desfile na esquina da Rua João Alfredo com a Avenida Loureiro da Silva (Perimetral). Não é que eu queira me gabar, mas – com 11 ou 12 anos de idade – eu circulava à vontade nos bastidores do evento, já que meu pai, o jornalista Luiz Osório, o Barão, era um dos locutores da festa, ao lado do grande Éldio Macedo, figura brilhante que, depois, se destacou também no carnaval carioca.