A colaboração a seguir foi enviada pelo poeta, escritor, jornalista, radialista, pesquisador e produtor cultural Ademir Antônio Bacca, de 71 anos, nascido em Serafina Corrêa, mas morador da cidade de Bento Gonçalves, na serra gaúcha, desde os cinco anos de idade.
A trajetória do Conjunto Melódico do Pedrinho, formado em Bento Gonçalves, marcou época no Estado entre o final dos anos de 1940 até a metade dos de 1960; mas, por incrível que pareça, quase não há registros, embora ele tenha construído uma das mais importantes carreiras musicais naqueles anos, a partir de suas primeiras atuações na boate do Clube Aliança, para se consagrar, depois, animando bailes em alguns dos principais salões de clubes do sul do país e até no Exterior.
Há pouca coisa registrada e ninguém se lembrou de gravar as memórias do bandleader — já falecido — ou dos músicos que o acompanharam. Faço aqui o mea-culpa por ter convivido com alguns (Wolmir Basso, Nadinho, Walter Tesser, Cléa Gatto Pereira) e ter pisado feio na bola deixando escapar esta importante história que, agora, tento reconstruir.
Pegue o pessoal que viveu à época e muito dançou nas noites de domingos embalados ao som do Conjunto do Pedrinho — e deles só se ouve que “tocavam demais” e que aquelas noites na boate do Aliança, depois da primeira sessão de cinema, “era o que tinha de melhor na cidade”. Namorou-se muito lá. Uma boa parte dos casamentos, de então, começaram no compasso do Conjunto do Pedrinho — é o mantra que muitos repetem até hoje.
Não se sabe ao certo quando o conjunto foi formado nem precisamente quando encerrou as suas atividades. A primeira apresentação fora de Bento Gonçalves aconteceu na cidade de Santa Maria, quando tocaram para 1,2 mil pessoas. A última vez que tocaram juntos, muitos anos depois do conjunto ter encerrado suas atividades, foi em 1982, em um “revival” no Clube Aliança, onde haviam iniciado quatro décadas antes.
O Clube Aliança acabara de fazer a transição da sua antiga sede social, na Praça Centenário (hoje, Walter Galassi), para as modernas instalações da Marechal Deodoro e apresentava, além de uma espaçosa e moderna sala de cinema, um monumental salão de festas e uma boate para pequenos eventos. E seria esse espaço que se transformaria no mais disputado local de encontro nas noites de domingo, logo após o término da primeira sessão de cinema. Tudo começava algumas horas antes, em plena Marechal Deodoro, num ritual que se repetia a cada final de semana: os rapazes na maior beca, encostados nos prédios da avenida, em grupos, enquanto as moças desfilavam seu charme e as suas melhores roupas, num contínuo caminhar, que ia da frente do Café do Quito até a Casa Fianco. Era assim que se paquerava em Bento naquele fim dos anos 1940.
Depois, o programa era assistir à primeira sessão no Cine Popular ou no recém inaugurado Cine Aliança. Ao fim da sessão, dirigiam-se à boate do Clube Aliança, onde Pedrinho e seu quinteto de ritmos os aguardavam, para dançar. Muitos dos olhares trocados no ir e vir das moças pela calçada da avenida acabaram em românticos pares embalados pelas melodias do conjunto.
O embalo seguia até meia-noite e trinta, em ponto, hora em que os músicos guardavam seus instrumentos e se retiravam. Alguns ainda com outros compromissos pela frente, pois faziam parte do Princesinha de Bagdá — responsável pela animação no salão do Cabaré da Dona Zica.
E era para lá que a maioria dos jovens solteiros que não haviam conseguido um par seguiam para terminar a noite entre tangos, boleros e uma companhia. No Cabaré da Zica (e nas casas adjacentes), a função só terminava às duas da madrugada.
Pedro Rubechini, o bandleader, nasceu em Bento Gonçalves, em 1927. Destacou-se entre os contemporâneos pelo seu espírito inovador e aglutinador. Quando formou um conjunto para tocar nas noites de domingo na boate do Clube Aliança, recrutou os músicos entre seus amigos de boemia. Nascia, então, o Quinteto de Ritmos. Mais tarde, quando trocou a boate pelos salões dos grandes clubes do Estado, ele contratou músicos de outras cidades e o grupo passou a se chamar Pedrinho e seu Conjunto Melódico. Poucos sabem que Pedrinho começou sua carreira musical tocando, a exemplo da maioria dos instrumentistas da época, no Princesinha de Bagdá, o qual animava as noitadas do Cabaré da Dona Zica.
Os amigos dizem que ele era apaixonado por música, embora reconheçam que ele não era um músico excepcional. Mas são unânimes em afirmar que Pedrinho era um grande vendedor. Poucos souberam fazer o marketing de um conjunto como ele. A folheteria do grupo copiava o material de divulgação dos grandes conjuntos e, principalmente, o das famosas orquestras estrangeiras que costumavam se apresentar, eventualmente, em nossos clubes. Na famosa excursão ao Uruguai, de 1958, durante apresentação ao vivo na mais importante rádio de Montevidéu, foram anunciados como Orquestra Paulista. Pedrinho assim o preferira — pelo impacto que, por ser São Paulo uma cidade mais conhecida, causaria junto aos radiouvintes. Na Rádio Belgramo, em Buenos Aires e também numa turnê pelo Nordeste, se apresentavam como Pedrinho e Orquestra do Rio de Janeiro.
A tradição na época era que os clubes contratassem para se apresentar nos salões grandes conjuntos brasileiros e orquestras vindas do Exterior, principalmente do Prata, e não que conjuntos daqui cruzassem a fronteira para se apresentar naqueles países.
Porém, foi o que aconteceu, de maneira incomum, com o Conjunto do Pedrinho: depois do grande sucesso nos bailes do Estado e do brilho em excursões em diversas cidades do país, a fama do grupo atravessou fronteiras e eles embarcaram num Douglas DC-3, no Salgado Filho, para sua primeira turnê internacional no Uruguai. O ano era 1958 e a sua formação: Pedrinho, Lindomar, Glênio (dublê de centroavante do Esportivo e cantor), Zé, Carlos Arzuaga (dublê de locutor de rádio e cantor), Mauricio Cainelli, Cavaco e Wolmir Basso. A apresentação ao vivo na rádio uruguaia foi gravada e, mais tarde, remasterizada por Luiz Carlos Todeschini. Um precioso arquivo de áudio que até hoje passa despercebido pelos responsáveis pela memória cultural da cidade. Uma lástima.
Assim como é incerta a data de início das atividades do grupo, o mesmo podemos dizer do seu final, ocorrido nos anos 1960. Entre fatos da trajetória do conjunto, encontramos ter sido ele a animar o baile de inauguração do clube dos oficiais do Primeiro Batalhão Ferroviário, ocorrido em 1955. O jornal Gazeta da Serra, em 15 de junho de 1962, registra que o conjunto conquistou o primeiro lugar no Festival de Conjuntos do Interior do Estado, em Montenegro, obtendo cinco premiações. O Conjunto de Ruy Feltem, de Cachoeira do Sul, ficou em segundo lugar. Gilberto Valduga, do Conjunto Arpége, foi escolhido o melhor solista.
Merecem registros as apresentações no Clube do Guri, um dos mais famosos programas do rádio gaúcho, levado ao ar pela Rádio Farroupilha, com apresentação de Ary Rêgo, que teve Elis Regina em seu elenco, ou aquela no programa comandado por Maurício Sirotsky Sobrinho, ambos com grande audiência no Estado.
A evolução musical nos anos de 1960, com o avanço do rock’n’roll, no Brasil espelhada na Jovem Guarda, mudou o cenário dos clubes, os quais investiam em conjuntos modernos, relegando os melódicos e as grandes orquestras, levando-os, assim, ao esquecimento e ao desaparecimento. Bem antes do fim do Conjunto Melódico do Pedrinho, chegava ao fim o Plínio e seu Conjunto Melódico, criado na metade dos anos de 1950, com um repertório mais moderno e formado por jovens músicos da cidade. A transformação musical avançaria com a fusão de Plínio e Seu Melódico com o Gilberto e Seu Conjunto, dando origem ao Conjunto Arpége, um fenômeno musical que faria os salões de bailes se renderem ao seu talento, reinando entre os melhores do cenário musical, inclusive, pela década seguinte.