No início da década de 1970, a vizinha Argentina estava com alguma convulsão política e fui enviado, pela sucursal do Jornal do Brasil, para cobrir os acontecimentos ao lado do correspondente, experiente e veterano jornalista Jayme Dantas, em Buenos Aires. Cheguei num sábado e liguei me colocando à disposição.
Bem humorado, Jayme me disse que, no final de semana, não aconteceria nada: "afinal, domingo é dia de comer macarrão na casa da nona (ou da madre) e nenhum portenho estará disposto a manifestações, portanto, amanhã venha almoçar comigo e depois vamos visitar a Feira Rural de Palermo". Ele sabia das coisas. Na minha casa, durante muito tempo, era, mais ou menos, também assim. Dona Nilce, minha mãe, filha de italianos calabreses, adotava comportamento parecido e reunia a família aos domingos. Mais tarde, as circunstâncias da vida acabaram nos dispersando. Mas o afeto persistiu para sempre.
Talvez eu já tenha revelado, aqui, que a memória mais remota que guardo é a acústica da voz da minha mãe, reverberando em meu ouvido encostado ao seu peito, enquanto, confortavelmente acomodado em seu colo, o sono vinha chegando.
Outra sensação da minha infância é a de quando minha mãe, nas frias noites do inverno, além de me cobrir, ajeitava as cobertas sob meu corpo pequeno, evitando qualquer espaço de ar gelado entre nós. Ainda hoje, aos 70 anos, quando faz muito frio, rolo meu corpanzil na cama, de um lado e de outro, tentando reproduzir o agradável fenômeno.
Quando fiz 50 anos, em 2001, ganhei da minha mãe um porta-retrato com minha fotografia ainda bebê. Isso aconteceu em julho. A foto, desse momento, foi a última da gente junto. Menos de um mês depois, ela morreu. Mas, não sem antes eu acomodar, carinhosamente, as cobertas sob seu frágil corpo, no leito hospitalar. Me olhou e sorriu.