Aqueles que frequentam certos bares da noite porto-alegrense, como o Parangolé ou o Odeon, por certo conhecem um velho bandoneonista, “velho” não na falta de energia, mas na arte de expressar seus sentimentos ao abrir e fechar seu instrumento. Aos 85 anos, ex-integrante do grupo Os Tapes, ele nos embriaga com a música e nos faz refletir a tragédia amorosa que o tango comporta em seus enredos sociais. José Rafael Koller, o bandoneonista. Neto de bandoneonista, filho de bandoneonista e ele mesmo hábil e sensível bandoneonista.
Tudo na arte de Rafael teve início na sua infância, quando estava sob os cuidados de seu avô Carlos Koller. Carlos, quando Rafael tinha pouco mais de sete meses, colocou o bandoneon no seu colo e deu-lhe “as primeiras lições” de como manejá-lo. Fez o bebê “entender” que ao abrir e fechar o instrumento provocava sons diferentes.
Muito tempo depois, Carlos lhe ensinou, também, a harmonia musical. Entretanto, antes de Rafael dar os primeiros passos no aprendizado desse instrumento, Carlos, em tempos mais remotos, ensinou a seu filho Francisco José, pai de Rafael, os princípios e manejos do bandoneon.
Com o correr dos anos, Francisco José tornou-se respeitado instrumentista de orquestras típicas, que começavam a ser criadas no Rio Grande do Sul, por influência da proximidade com os países do Prata, nossos vizinhos, principalmente a Argentina. Eram os anos finais da década de 1920 do século passado: agitação, fumo, bebidas, noitadas... mulheres! Francisco José, naquele tempo de loucuras mundanas, integrou uma “típica”, que embalava os sonhos da elite que desfrutava, sem sentido prático, os prazeres dos grandes navios de turismo náutico, que faziam a rota Salvador-Rio de Janeiro-Santos-Montevidéu-Buenos Aires.
Embora essas viagens fossem muito luxuosas, de gastanças demasiadas, de alegria e festa, com salões de baile cheíssimos de pares a movimentarem-se no ritmo da música, elas não trouxeram, para Francisco, os rendimentos financeiros que esperava. Trouxeram-lhe, sim, em função da poluição e do ambiente asfixiante dos salões, uma doença insidiosa e mortal. Francisco José faleceu em 15 de março de 1936, aos 26 anos de idade.
O velho mestre de todos, Carlos Koller, bandoneonista de valsinhas e polquinhas alemãs, depois de tantos anos de trabalho, ensinamentos e aprendizagens, também faleceu, idoso, em 8 de janeiro de 1964.
Mas José Rafael Koller, ou melhor, “tio Rafa”, seguiu (e segue) bandoneonando nos bares da noite de Porto Alegre.
Só que, agora, mesmo durante o nosso clima de verão tropical, ele carrega, sempre, branquíssimos flocos de neve... na cabeça!
Colaboração de Luiz Alberto Koller, professor e ex-instrumentista do grupo Os Tapes