Recentemente, algumas cidades europeias tomaram a decisão de proibir que os turistas demorem ao circular e tirar fotos em monumentos e locais públicos, colocando barreiras ou estabelecendo multas a quem descumprir as medidas. A alegação é de que a movimentação excessiva dos viajantes atrapalha a vida dos moradores, mesmo em cidades onde o turismo é a principal fonte econômica. Barcelona, inclusive, tem críticas pichadas pela cidade, como "vão para casa" em paradas de ônibus e no mirante Turó de la Rovira, que ficou famoso e acabou sendo cercado para visitação em horários específicos.
As frases críticas, barreiras para imagens e restrições alimentam um debate que vem ganhando notoriedade no segmento: os turistas têm passado dos limites na busca por registros para as redes sociais e na convivência com os locais? GZH ouviu uma especialista no setor de turismo, o secretário do maior município turístico do Estado, a sócia de uma agência de viagens e uma influenciadora na área de viagens, que ajudaram a construir uma espécie de guia de convivência em harmonia para os turistas.
O que está na essência de boa parte dos conflitos é a dificuldade de turistas e população para conviver no mesmo espaço, conforme a professora Alexandra Zottis, coordenadora dos cursos de Turismo e Gastronomia da Universidade Feevale.
— Entendo que algumas medidas possam parecer extremas. No entanto, o que está por trás? Um esgotamento dos moradores por não poderem circular livremente? Atitudes desrespeitosas de alguns turistas que feriram os brios locais? São vários os envolvidos. E o comércio local, que lucra com os turistas, o que pensa? — questiona.
Em 2019, Roma criou uma legislação que proíbe se sentar na escadaria da Piazza di Spagna (Praça da Espanha). Quem desobedecer pode ser multado. A proibição também abrange outros monumentos históricos. A professora lembra que a medida é muito dura, na visão de alguns turistas, mas pode ter agradado aos romanos.
— A frase "quando em Roma, faça como os romanos", e as suas tantas variações, serve perfeitamente de dica para qualquer turista. Quem viaja para um lugar diverso da sua residência deve ter em conta que é uma visita — afirma.
Para Iolanda Klaic, sócia da agência de turismo Dial Tour e também viajante, ainda que todos anseiem pelo melhor registro dos momentos e experiências, é preciso cautela ao julgar a decisão dos governos. Ela acredita que essa possa ser uma forma de fazer os turistas se ocuparem mais com a contemplação do que com tirar uma infinidade de fotos para expor nas redes sociais. Na opinião de Iolanda, quem visita, muitas vezes, passa dos limites.
— Estive agora na Tailândia, e, em alguns locais, era simplesmente impossível de se chegar, tamanhas eram as filas de pessoas esperando só para ter o seu momento para tirar fotos. Não para visitar, não para apreciar, apenas para tirar fotos — acrescenta.
Alexandra, da Feevale, concorda e destaca que esse fenômeno é um reflexo do momento atual, ainda que o anseio por fotos não seja novidade. Para a professora, as atitudes de turistas que podem incomodar variam em termos de território e contexto histórico — o que pode perturbar um europeu pode passar batido para um chinês ou brasileiro, e vice-versa, lembra.
Iolanda ressalta que todos os excessos costumam ser desconfortáveis e incomodam, e cita exemplos: não compreender que há outras pessoas que gostariam de apreciar o local; bem como fazer poses, desrespeitar ou banalizar espaços destinados a oração ou monumentos que retratam episódios trágicos e dolorosos (como cemitérios e locais relacionados às guerras e ao Holocausto) — o que já chegou a motivar montagens com fotos de pessoas sorrindo e posando no Memorial do Holocausto, em Berlim. No espaço, foram inseridas imagens históricas de pessoas mortas na tragédia, em uma tentativa de chamar a atenção dos turistas para o problema.
Há ainda a questão da preservação de pinturas seculares que podem ser prejudicadas pela excessiva exposição ao flash da câmera — que, apesar de ser proibido em certos lugares, ainda é utilizado por alguns turistas.
No entendimento da sócia da Dial Tour, que trabalha há mais de 25 anos no ramo, o ato de proibir que os monumentos sejam fotografados pode fazer com que as pessoas aproveitem genuinamente a viagem.
— E se deliciem profundamente com a visita, fazendo a coisa do presencial ter muito mais valor. Ou seja: seria uma forma de resgatar a experiência de estar naquele lugar, de se conectar e viver o momento presente — avalia Iolanda.
Limitação de novas experiências
Influenciadora de viagens e com um feed repleto de fotos e dicas em pontos turísticos pelo globo, a gaúcha Mariana Reck (@marianajreck), 29 anos, relata que, por vezes, locais até então inexplorados pelo turismo viralizam em função de uma foto ou pela presença de alguma celebridade. Um exemplo é o Buraco do Galego, em Fernando de Noronha. Tratava-se de uma praia mais local, mas, devido a uma fotografia de Neymar e Bruna Marquezine, hoje há filas para replicar a imagem.
— Quando viajei para lá, conversei com um morador, que me disse que antes era uma piscina natural que os moradores conseguiam aproveitar, e hoje sempre tem fila para fotos — conta Mariana.
Quando isso acontece, pode impactar a cultura e o comportamento local. Por outro lado, gera empregos, movimenta a economia, incentiva restauros de pontos históricos, entre outras medidas, lembra a influenciadora. Assim, essa questão está ligada aos objetivos dos governos — se desejam incentivar o turismo e, consequentemente, a economia, ou manter a cultura integralmente e preservar a qualidade de vida dos locais.
— Sou muito apaixonada por conhecer novos destinos, então, em um primeiro momento, me parece exagerado, pois limita que possamos desfrutar de novos locais e viver novas culturas. Mas cada caso é um caso, em algumas localidades, um alto movimento turístico pode realmente interferir na vida de quem vive lá, e faz sentido ter restrições mais rigorosas — pondera.
Mariana também concorda que muitos turistas têm passado dos limites na busca pela foto perfeita.
— Um exemplo que vivenciei foi em Fernando de Noronha. Cheguei a ver turistas seguindo tubarões e golfinhos que fugiam assustados. Não pode tocar nos animais, mesmo assim, alguns turistas não respeitam — recorda.
Entretanto, o desrespeito vai muito além dos registros e pode ocorrer em diversas arestas: na interação com a cultura, os espaços e o comércio. A influenciadora enumera outros exemplos de atitudes que podem causar incômodos:
- não entender ou estudar a cultura local;
- não respeitar filas;
- subir ou encostar em obras de arte e locais não permitidos (muitas vezes por questões de preservação);
- ouvir músicas em volume alto, sobretudo em destinos de verão;
- falar alto em museus e templos religiosos;
- atrapalhar as fotos de outras pessoas, por não querer esperar;
- demorar a tirar fotos, o que impacta quem aguarda.
Exemplo local
Por enquanto, as medidas restritivas ou proibitivas têm sido adotadas majoritariamente na Europa. Em Gramado, principal destino turístico do Rio Grande do Sul e um dos mais importantes do Brasil, o foco está nos turistas. Contudo, o secretário municipal de Turismo, Luia Barbacovi, acredita que há motivos pontuais que levaram as cidades a essa decisão.
— Toda a cidade que tem o turismo como atividade principal tem o turista como seu principal motivo de trabalho e investimento. Por isso, o visitante é sempre bem-vindo. O que os trabalhadores, empresários e setor público querem é recebê-los da melhor forma possível, já que eles trazem renda e emprego — destaca Barbacovi.
Mesmo assim, o secretário diz que município tem feito investimentos na infraestrutura de modo a diminuir impactos. O asfaltamento em vias vicinais está ligando algumas regiões do município a rodovias, evitando que os veículos tenham de passar pelo centro. Está em obras, ainda, uma ligação entre as regiões norte e sul da cidade, que facilitará a movimentação sem circular pela região central. O secretário acrescenta que o plano diretor atualizado incentiva a descentralização de investimentos e de serviços.
Aprendendo a conviver
Os turistas podem adotar posturas para evitar conflitos e melhorar a convivência com os habitantes das localidades que visitam. Um passo importante é sempre pesquisar sobre a cultura e, claro, respeitar as diferenças, aponta Alexandra. E, para os moradores e poder público, entender que permitir ao turista ocupar o mesmo espaço pode ser uma experiência proveitosa, com ganhos por meio das trocas.
Respeitar o próximo e ter bom senso já seriam medidas adequadas para evitar problemas, resume Iolanda.
— Fazendo assim, vamos entender que tirar fotos é apenas uma pequenina parte de tudo o que podemos viver durante uma viagem — conclui a sócia da agência de viagens.
Guia de convivência em harmonia
Confira dicas do que fazer e do que não fazer ao visitar um ponto turístico:
- Pesquisar sobre a cultura e os costumes locais e respeitar as diferenças;
- Ser agradável com os habitantes locais;
- Respeitar as leis locais e ser prudente com a segurança pessoal;
- Cumprir horários de agendamentos (em restaurantes, museus, hospedagens...), pois impacta o trabalho e o faturamento do comércio local;
- Chegar cedo e evitar horários de pico se quiser tirar fotografias;
- Apreciar mais a vista do que se preocupar em registrar tudo;
- Não demorar a fazer fotografias, especialmente em locais com grandes filas;
- Cuidar do patrimônio local em espaços públicos, museus e templos;
- Preservar a imagem de pessoas em momentos particulares, como em templos religiosos;
- Recolher o lixo gerado.