Em meio a polêmicas recentes nos aeroportos brasileiros envolvendo o despacho da bagagem de mão, outro debate ganhou os holofotes da aviação civil: a cobrança de uma taxa para garantir o embarque prioritário em voos — e, consequentemente, a acomodação de bagagens de mão antes dos demais passageiros, o que pode impactar a utilização dos compartimentos e resultar em possíveis despachos de malas quando há falta de espaço. A medida é adotada pela Latam. GZH ouviu empresas aéreas, órgãos de regulação e de defesa do consumidor e especialistas para apontar se a prática é legal, quais são os direitos dos passageiros e o que fazer em caso de problemas com a bagagem de mão despachada.
Instituído há um ano, o Embarque Premium da Latam tem, segundo a companhia, o objetivo único de oferecer um embarque "mais rápido ao passageiro que opte pela facilidade". Assim, ao adquiri-lo, por R$ 10 por trecho, o cliente embarca no Grupo 3 — sempre depois dos passageiros com prioridade por lei, o chamado Grupo 1, e dos clientes Black e Black Signature do Latam Pass, que integram o Grupo 2. O produto "não garante espaço nos bins para acomodação de bagagem", sendo o seu propósito o embarque com prioridade, frisa a empresa. A acomodação prioritária da bagagem de mão no compartimento superior "torna-se mais fácil" como consequência, alega a Latam. Contudo, em simulação de compra de passagem feita pela reportagem nesta segunda-feira (12), foi constatado anúncio oferecendo: "Embarque antes e garanta espaço para sua bagagem de mão".
Outras grandes companhias que operam no Brasil não adotam o mesmo serviço. Em nota, a Gol informa que oferece prioridade de acomodação de bagagem de mão em compartimento exclusivo apenas para clientes com poltrona GOL+ Conforto, em voos domésticos, e para clientes da classe Gol Premium Economy, em voos internacionais. A Azul, por sua vez, informou em comunicado que, após o embarque prioritário por lei, os clientes TudoAzul nível Diamante, do programa de fidelidade da companhia, possuem como benefício o embarque prioritário.
Há ilegalidade?
Para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o serviço oferecido pela Latam é legal. O órgão regulador destaca que os grupos que devem receber prioridade no atendimento (incluindo o embarque) estão especificados na legislação. A Anac acrescenta que as empresas aéreas podem oferecer serviços opcionais — e a prioridade de embarque é uma dessas possibilidades.
Em relação à bagagem de mão, a agência ressalta que todo passageiro tem direito a uma franquia de, no mínimo, 10 quilos, nos termos da Resolução Anac n° 400/2016. "Contudo, o transportador poderá restringir o peso e as dimensões da bagagem de mão por motivo de segurança ou de capacidade de aeronave", acrescenta o comunicado da Anac. "Nesses casos, as bagagens deverão ser despachadas sem cobranças adicionais ao passageiro. Dessa forma, a empresa aérea deve garantir a todos os passageiros do voo as condições necessárias para que essa franquia possa ser transportada, seja na cabine ou por meio de despacho."
O Procon do Rio Grande do Sul já identificou essa situação, como relata o diretor-executivo do órgão, Rainer Grigolo:
— A Anac é a regulamentadora do sistema e tem um entendimento de que seria permitida essa cobrança de uma espécie de embarque premium, do consumidor poder adquirir, a partir de uma taxa, um embarque prioritário, para utilizar os compartimentos de cima sem a necessidade de despachar a bagagem.
Contudo, Grigolo lembra que os grupos prioritários estabelecidos por lei não podem ser cobrados e que nenhuma outra pessoa, por mais que pague, pode embarcar antes deles.
O Procon não tem poder de regulamentação neste caso, mas, conforme o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se reconheça essa cobrança como permitida, do ponto de vista legal, as informações têm de estar dispostas de maneira clara e adequada ao consumidor, no momento da compra da passagem. Além disso, a taxa não pode estar pré-selecionada, devendo constar como um opcional.
— O embarque premium dá, em tese, a garantia de segurança ao consumidor, de que vai poder carregar consigo essa mala de mão sem nenhuma preocupação de que venha a ser solicitado a despachar. Os consumidores que não escolherem essa taxa vão continuar embarcando em outros grupos. Tendo espaço, vão poder utilizá-lo, mas, uma vez superlotado, será feito o despacho — esclarece.
A advogada e diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC), Renata Abalém, reforça que o que pode ser vendido pelas companhias aéreas é a acomodação prioritária, como no caso da Latam.
— Evidentemente que o consumidor, estando com sua bagagem, vai, a partir do momento em que entrar, acomodá-la. O que não pode é vender um lugar para essa bagagem de mão, seja prioritário ou não. As companhias não poderiam fazer isso porque essa bagagem de mão não pode ser paga, porque é contra a lei — explica.
Um dos motivos para o despacho de bagagens de mão, lembra Renata, é o fato de que a resolução que mudou a utilização das malas, tirando a gratuidade do despacho, não alterou as aeronaves. Assim, os passageiros passaram a transportar todos os itens necessários na bagagem de mão, para evitar pagar outras taxas. Além disso, em muitos casos, os clientes não respeitam o espaço, que deveria ser suficiente, e acabam levando mais itens do que poderiam e lotando os compartimentos.
No entanto, para a advogada, o "maior absurdo" é o fato de ter sido desperdiçada a possibilidade de reverter a cobrança de bagagens — instituída com base na premissa de que companhias low cost se instalariam no Brasil, o que não ocorreu.
Omissão na regulamentação
No comunicado emitido pela Anac, a agência lembra que a cobrança de serviços específicos é "prática comum nos principais países do mundo e possibilita a atuação de empresas aéreas com diferentes modelos de negócios, o que, a médio/longo prazo, tende a atrair mais concorrência para o setor". O órgão destaca ainda que todas as empresas aéreas estão cadastradas na plataforma consumidor.gov.br, na qual os passageiros que enfrentam problemas podem registrar reclamações. O monitoramento da plataforma permite à agência adotar ações corretivas, caso seja detectado comportamento abusivo por parte das empresas, acrescenta a Anac.
Para o diretor de relações institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Igor Britto, no entanto, a Anac, que tem o papel de regular a relação entre companhias aéreas e consumidores, tem sido "bastante omissa" a respeito do que as empresas podem cobrar.
— Não temos, no Brasil, nenhuma norma que trate de programas de fidelidade e milhagem, o que torna ainda mais aberto para as companhias aéreas criarem novos serviços, privilégios e cobranças — afirma Britto, em nota.
O diretor da organização não governamental aponta que não é fácil encontrar regras, no Código de Defesa do Consumidor, que ajudem a afirmar, de maneira segura, se o fato de conceder tratamento diferenciado a pessoas que pagam a mais ou possuem programa de fidelidade se trata, ou não, de prática abusiva.
— Quem entra por último tem menores chances de acomodar sua bagagem de mão na cabine, mesmo sendo um direito expresso nas normas brasileiras — salienta.
E é aí que surgem os conflitos entre passageiros e funcionários, que têm ganhado destaque.
— A Anac e os órgãos de defesa do consumidor deveriam garantir que as companhias aéreas parem de criar formas de desrespeitar esses nossos direitos — critica.
O diretor do Idec recorda que há pouco tempo se discutia se as companhias aéreas poderiam cobrar, ou não, pelo despacho de bagagem ou por um assento na saída de emergência. Ele discorda da Anac em relação à concorrência no setor:
— Elas cobram por serviços extras, mas parecem reconhecer que seus serviços são ruins, pois cobram por aquilo que deveria ser um diferencial competitivo. Se o serviço básico fosse minimamente confortável e respeitoso, até toleraríamos cobranças adicionais, mas viajar de avião é caríssimo e desconfortável, sendo uma alternativa apenas para os que podem evitar as longas e perigosas estradas brasileiras.
O que fazer em caso de problemas com bagagem de mão despachada
Se a mala de mão for despachada e ocorrer algum problema, o passageiro deve procurar seus direitos, conforme estipula a regra geral. Em caso de extravio da bagagem ou de danos aos produtos transportados, o cliente pode tentar resolver diretamente com a empresa primeiro. Se não houver resolução nesse contato, o passageiro deve procurar o Procon municipal ou estadual.