A tragédia no lago de Furnas em Capitólio (MG), que matou dez pessoas após o desprendimento de um pedaço de rocha sobre lanchas que passeavam no local, acendeu um alerta sobre o monitoramento de riscos em outros locais que realizam esse tipo de turismo. No Rio Grande do Sul, destinos como os cânions nos Aparados na Serra e o litoral de Torres são exemplos de locais que atraem milhares de visitantes e que contam com formações rochosas. Nesses pontos, prevenção e segurança são essenciais.
Conforme a lei federal 12.608, em vigor desde 2012, que rege a prevenção de desastres naturais no Brasil, a responsabilidade de monitorar as áreas é das prefeituras. O geólogo do Serviço Geológico do Brasil (SGB–CPRM) Tiago Antonelli explica que existe uma diferença entre as áreas de risco (urbanas) e as áreas suscetíveis (não ocupadas, como os cânions).
— A lei fala que é obrigação dos municípios conhecer as suas áreas de risco e as áreas suscetíveis. A área de risco, por definição, tem que ter dano associado, ou seja, ter pessoas ou moradias naquela região. Quando falamos em áreas suscetíveis, são áreas não ocupadas, mas naturalmente suscetíveis a ocorrência de escorregamento, de queda de bloco, de inundações — afirma Antonelli.
Quando o município não tem capacidade técnica ou financeira para esse tipo de análise, cabe ao Estado dar suporte. Nesse caso, o governo federal entra como auxílio por meio do CPRM, que é o braço executor, que faz os mapeamentos.
Sob demanda, o órgão elabora cartas nas quais aponta a suscetibilidade natural de determinado terreno para a ocorrência desses eventos, que pode ser alta, média ou baixa. No Rio Grande do Sul, 15 municípios são mapeados – Torres e Cambará do Sul não se encontram na lista.
Os municípios gaúchos mapeados com a carta de suscetibilidade pelo CPRM hoje são Alegrete, Alto Feliz, Bento Gonçalves, Capão do Leão, Caxias do Sul, Dom Pedrito, Eldorado do Sul, Encantado, Estrela, Igrejinha, Lajeado, Novo Hamburgo, Porto Alegre, São Lourenço do Sul e Uruguaiana. O órgão faz cerca de 50 cartas por ano em todo o Brasil.
Praia em observação
Em Torres, no Litoral Norte, além de um mapeamento de risco do município já existente, há uma equipe com dois geólogos que é responsável pelo acompanhamento dos locais. O monitoramento é feito por vistorias e análises por visualização.
Segundo o secretário de Meio Ambiente da prefeitura, Júlio Agápio, a tragédia em Minas Gerais “acende uma luz laranja” para todos os municípios que possuem esse tipo de estrutura, em especial os que têm vocação turística.
— São estruturas diferentes do que temos aqui no Litoral e nos Aparados da Serra, pela composição de rochas. Mas de estrutura semelhante pelo aspecto técnico geológico, porque são rochas de fratura vertical. As linhas de resfriamento dela, quando começa a se descolar, tendem a cair e se desprender do paredão da mesma forma como as imagens que vimos em Capitólio. Respeitadas as proporções, naturalmente, pelo tipo de rocha — diz Agápio.
Segundo o secretário, não há nenhum trecho que seja considerado mais crítico na costa de Torres, neste momento.
O município tem sinalizado, em especial dentro do Parque da Guarita, as possíveis áreas de risco, não necessariamente de um desmoronamento, mas da própria aproximação dos visitantes em virtude do paredão. Muitas pessoas tomam banho de mar sob o Morro da Guarita, por exemplo.
— Existe toda uma mobilização por profissionalização do monitoramento, das medidas que podem ser tomadas, que vão de sinalização até colocação de pinos na rocha. Se subires a Rota do Sol, de Torres até Caxias, vais perceber que em alguns pontos, inclusive onde já houve desmoronamentos, existem pontos de pinos de metal fazendo fixação da estrutura. Essa é uma das possibilidades — diz o secretário.
Caídas sobre o solo, as pedras criaram trilha para os banhistas no local. Outras foram parar dentro do mar, em uma área demarcada com bandeiras negras e um alerta: “Alto risco de morte”. O acesso a outro paredão, o do Morro das Furnas, é feito pela Praia da Cal.
No último sábado (15), Salete e Jatir Uez, moradores da Serra e veranistas no Litoral Norte, escolheram a estreita faixa de areia que contorna o cerro na Praia da Guarita para uma caminhada. Sem conhecimento técnico, mas com curiosidade, eles observavam algumas fendas entre as rochas.
— Estávamos falando sobre o Capitólio, que horror. Dá um medo, e aqui é bem perto das pessoa também — compara a caxiense.
Reforço no mapeamento
Nos cânions dos Aparados da Serra e da Serra Geral, em Cambará do Sul, por serem parques nacionais, a responsabilidade é dividida com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). É possível visitar tanto pelo alto dos morros como também fazer travessias pelo interior dos cânions.
Para o secretário de Turismo de Cambará, Marcelo Sartori, justamente por estarem sob regulação federal, os parques “estão um passo à frente para todo o cuidado”. Segundo a servidora do ICMBio e chefe do Núcleo Gestão Integral Aparados da Serra Geral, Sônia Kinker, os monitoramentos são constantes. A primeira análise é feita por equipes que trabalham nos parques, incluindo a observação dos condutores que acompanham os visitantes.
— Esses eventos (como o de Capitólio) dificilmente acontecem de uma hora para outra, os sinais aparecem. No caso das bordas de cânions, percebemos quando alguma trinca acontece, então, em várias partes já há uma delimitação para que o visitante não se aproxime — diz Sônia.
Mas apenas a avaliação visual não é suficiente. Por isso, junto da concessionária de apoio à visitação que assumiu os parques, está sendo contratada uma empresa para realizar estudos mais profundos.
— Há vários pontos onde estão previstas novas estruturas que deixem o visitante mais confortável para observar paisagem, mas isso só pode ser feito com estudo geológico. Temos o nosso acompanhamento e agora teremos estudo periódico com empresa contratada para dar esse laudo — acrescenta a servidora.
Em nota, a concessionária Urbia Cânions Verdes afirmou que uma série de análises já foi realizada, tendo em vista o aumento da segurança dos visitantes, com objetivo de mapear as principais áreas de risco. E reforçou que a proposta para os próximos meses é que haja um monitoramento geológico permanente de toda a área de visitação.
— Quando se percebe algo diferente, já se isola a área. Tanto que quando se circula pelos parques já se percebe esses trechos. Agora, se vai cair hoje ou daqui a cem anos, só esse estudo pode nos ajudar a entender — explica Sônia.
Pesquisa em andamento
A possibilidade de antever possíveis eventos naturais também está entre as atribuições do Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul. A partir de consórcio que envolve três municípios gaúchos e quatro de Santa Catarina, incluindo Torres e Cambará do Sul, formou-se um grupo técnico com profissionais de diversas áreas dos municípios envolvidos para, entre outros objetivos, mapear a situação dos locais.
A pesquisadora e coordenadora do Comitê Educativo e Científico do Geoparque, Maria Carolina Villaça Gomes, diz que, antes mesmo da tragédia em Minas Gerais, a elaboração de um plano preventivo de redução de riscos e desastres já era tratada como prioridade dentro do consórcio.
Por mais que a atenção tenha se voltado para os tombamentos de blocos por conta do que ocorreu em Capitólio, existem outros problemas, como enxurradas e inundações, que precisam estar no radar pela gravidade que representam na área compreendida pelo Geoparque.
— A base do plano é a identificação de onde já existe o perigo de o processo acontecer. Identificar qual é o processo natural que faz parte da dinâmica daquele ambiente (se quedas, deslizamentos ou enxurradas), os locais onde estão as ocorrências, estabelecer uma classificação com graus de perigo, e então traçar medidas. Esses processos são naturais e são responsáveis pela formação das paisagens que visitamos e que devem ser visitadas, mas precisamos conhecer para prevenir — alerta a pesquisadora.