Gaúchos que quiserem fazer cruzeiros marítimos pelo litoral de Brasil, Argentina e Uruguai terão de viajar bem menos para embarcar. A MSC Cruzeiros e a Costa incluíram em seus roteiros o porto de Itajaí, em Santa Catarina, a 535 quilômetros de Porto Alegre. Antes, a mínima distância a ser percorrida era mais do que o dobro: 1.131 quilômetros até Santos (SP).
Líder do mercado, com 65% de share no Brasil, a MSC fará entre dezembro e março 13 cruzeiros nos quais metade dos 2,6 mil passageiros embarcará na cidade catarinense (o outro porto emissário é Santos). O roteiro de sete noites conta com paradas para descidas em Buenos Aires e Montevidéu. A temporada 2020/2021 não apenas está confirmada, como já tem pacotes à venda, segundo anunciou a companhia durante a 47ª ABAV Expo, a grande feira das agências brasileiras de viagem, realizada entre os últimos dias 25 e 27 na capital paulista.
— Sempre olhamos com carinho para a Região Sul — diz Adrian Ursilli, diretor geral da MSC Cruzeiros no Brasil, enquanto saboreia um bombom de tiramisu da marca italiana Venchi, presente nos navios da empresa e no estande montado na ABAV Expo (a propósito: eu provei e são divinos). – Agora, surgiu a oportunidade de Itajaí, graças a um trabalho de pesquisa, planejamento e parceria com o governo de Santa Catarina, a prefeitura de Itajaí e o terminal portuário. Vamos mandar para lá o melhor navio da frota.
Ursilli se refere ao MSC Sinfonia, cuja decoração é descrita como “clássica e sóbria”, no “autêntico estilo mediterrâneo”. O navio oferece restaurantes temáticos, danceteria, bares e lounges, quadra poliesportiva, academia de ginástica, cassino, teatro, espaços de recreação para crianças e adolescentes, centro de compras, salão de beleza e, segundo o diretor geral, a maior área de piscina aberta das rotas operadas pela MSC.
Para que essa primeira experiência dê certo, a empresa está fazendo um investimento significativo em mídia, de R$ 2 milhões. A expectativa é de que, entre os passageiros com embarque em Itajaí, 50% sejam de Santa Catarina, 30% do Paraná e 20% do Rio Grande do Sul. O pacote para as sete noites custa, por pessoa, entre R$ 2,7 mil e R$ 3 mil, fora taxas. Aos gaúchos, Ursilli diz que uma combinação entre questões técnicas e comerciais impedem embarques ou mesmo paradas no Estado. E estende um convite especial:
— A gente sabe que vocês gostam de pegar o carro para viajar. Então, vale aproveitar as opções com estacionamento incluso. Antes ou depois, podem esticar o passeio pelas praias catarinenses ou ir ao Beto Carrero World, por exemplo.
Rumo à Europa
O Sinfonia também fará embarque em Itajaí para a viagem de retorno à Europa, em março de 2020. Será um roteiro de 28 noites, com paradas em destinos do Uruguai, da Argentina, de Portugal, da Espanha, da França, da Croácia, da Grécia e da Itália. Tarifa a partir de R$ 6.789 por pessoa, mais taxas. Esse preço inclui o voo de volta para o Brasil.
Para 2020/2021, a MSC também revelou na ABAV Expo a estreia, no país, do navio Grandiosa. Com capacidade para 6,3 mil hóspedes, conta com 11 restaurantes (entre eles, o Tapas, do chef espanhol Ramón Freixa), 21 bares, discoteca e uma promenade (um passeio) no coração da embarcação. Haverá, também, dois shows exclusivos do Cirque du Soleil.
Luminosa estreia no Brasil em 2020
Na temporada 2020/2021, a Costa Cruzeiros trará pela primeira vez ao Brasil o Luminosa, um navio “muito charmoso”, segundo Cintia Carlotti, gerente de Marketing, o que, segundo ela, combina com o itinerário pela região do Prata. Serão 12 roteiros de sete noites, a partir de 30 de novembro do ano que vem, com possibilidade de embarque em Santos ou Itajaí e escalas em Montevideu e Buenos Aires.
— A Costa sempre teve paixão pelo Sul, e acreditamos no potencial de hóspedes de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná — afirma Cintia.
O Luminosa permitirá um acréscimo de até 40 mil passageiros nos cruzeiros da Costa. Ruy Ribeiro, diretor comercial, celebra o novo ponto embarcadeiro, que tem “mercado e infraestrutura”, mas lembra que o Brasil ainda tem muito a avançar:
— Na Europa e nos Estados Unidos, há vários outros portos, o que amplifica nossa capacidade de atrair turistas, uma vez que encurta distâncias de deslocamento terrestre e mesmo aéreo.
A embarcação não tem esse nome por acaso.
— É o nosso navio de luz — define Cintia.
As cabines com varanda correspondem a 60% do total (há lugar para 2,8 mil viajantes), e a decoração segue esse conceito. O Luminosa também joga luz sobre a fase de expansão da Costa no país.
— Desde 2017, ano a ano estamos crescendo o número de passageiros e de dias de operação. Na temporada 2020/2021, serão 109 dias a mais. É algo grandioso — orgulha-se Ribeiro.
Os preços dos pacotes ainda não foram definidos. Mas as vendas devem começar entre novembro e dezembro deste ano.
Os desafios do mercado nacional
A entrada de Itajaí como porto de embarque pode tornar mais significativa a participação de gaúchos em cruzeiros, um mercado amplamente dominado por turistas da Região Sudeste. As expansões da MSC e da Costa são comemoradas pelo presidente no Brasil da Cruise Lines International Association (Clia, a associação das linhas de cruzeiro). Mas, com a elegância que, combinada ao físico esguio, ajuda a explicar o apelido – Príncipe – pelo qual era chamado nos corredores da ABAV Expo, Marco Ferraz puxa uma série de gráficos para mostrar dados frustrantes.
Na temporada 2010/2011, havia 20 navios em águas nacionais. Foi o auge do negócio iniciado em 2004/2005, com seis embarcações. De lá para cá, enquanto a quantidade de cruzeiros continuou crescendo mundialmente, o Brasil sofreu uma queda drástica, a ponto de voltar para quase os mesmos patamares da estreia – sete navios em cada um dos últimos três veraneios. O copo cheio é que, apesar dessa linha reta, o montante de passageiros vem subindo. Foram 358 mil em 2016/2017, depois 418,5 mil e, na mais recente, 462,3 mil.
A expectativa para a temporada que começa em novembro é de encostar nos 500 mil. Ainda assim, ficará 38% abaixo dos 805 mil registrados no pico. Enquanto isso, ano a ano as estatísticas globais mostram quebra de recordes – em 2018, foram 28,5 milhões de cruzeiristas.
Por que o Brasil não acompanhou essa curva de crescimento? Com voz serena, Ferraz enumera uma combinação de fatores. A crise econômica do país contribuiu, é claro, mas houve também um terrível casamento entre a intensificação da concorrência em destinos como Austrália, China e Canadá e a “falta de competitividade” do Brasil.
— Operar um cruzeiro por aqui é 40% mais caro do que em outros países, por causa dos impostos, da regulação excessiva, dos entraves trabalhistas — lamenta.
Na ABAV Expo, autoridades festejaram os R$ 2 bilhões gerados pelo setor. Mas Ferraz não esconde a decepção:
— Se tivéssemos crescido ao nível mundial, estaríamos falando de R$ 6 bilhões. E os 31 mil empregos seriam mais de 50 mil.
Apesar desse tom pessimista, Ferraz pede para olharmos o lado bom. O turismo de cruzeiro, hoje, tem adesão de somente 0,24% dos brasileiros. Na Austrália, essa taxa é de 6%.
— Se alcançarmos só a metade, 3%, serão 6 milhões de pessoas passando férias em navios! Para isso, temos de resolver alguns problemas. Domar a crise, reduzir a tributação, desamarrar o nó trabalhista, aumentar o número de destinos.
Missão: Nordeste
Eis que surge na conversa o paradoxo do Nordeste. Maior operadora da América Latina, a CVC Lazer tem como os três destinos mais procurados Porto Seguro, na Bahia, Maceió, em Alagoas, e Fortaleza, no Ceará. Mas, em cruzeiros, a região é pouco explorada. Isso é decorrente do comportamento do consumidor brasileiro, que é majoritariamente egresso de SP (56%), RJ (16%) e MG (6%).
— Nosso cruzeirista gosta de fazer roteiros de até oito noites, portanto, não dá para subir muito. Salvador acaba sendo o ponto mais alto — explica Ferraz.
O presidente da Clia Brasil acredita que o país possa tentar incluir Fortaleza – que tem infraestrutura, é um hub de aviação e recebe navios de volta ao mundo – como destino de cruzeiros pelo Caribe. Seria uma vitória e tanto, pois as viagens pelo Caribe representam 40% do total de cruzeiros e são muito frequentados pelos americanos, que correspondem à metade dos passageiros no mundo (14 milhões deles viajaram em 2018). Ferraz afirma:
— Agora que o turista dos EUA foi liberado de visto no Brasil, por que não sonhar?
*O jornalista viajou a convite da ABAV Nacional