Antes de parte da estrutura desabar no último domingo (15), a Plataforma de Atlântida, cartão-postal de Xangri-Lá, no Litoral Norte, já vinha sofrendo há algum tempo com a degradação e a falta de recursos. Impasses e burocracia dificultaram o estabelecimento de uma parceria entre a associação privada que administra o espaço e a prefeitura, a fim de garantir a conservação do principal ponto turístico da cidade. O local deveria ter passado por uma reforma estrutural ainda em 2022, que, entretanto, nunca saiu do papel.
Desde 2021, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) estava previsto para ser firmado, envolvendo Ministério Público Federal (MPF), Advocacia-Geral da União (AGU), Secretaria do Patrimônio da União (SPU), prefeitura de Xangri-Lá e Associação dos Usuários da Plataforma Marítima de Atlântida (Asuplama). O objetivo seria promover a regularização patrimonial do local, permitir sua cessão e, consequentemente, garantir verbas para a recuperação e manutenção da plataforma – que já sofreu com outras intempéries, como em 1997. No entanto, as tratativas não avançam desde 2022, segundo José Luís Rodrigues Rabadan, presidente da Asuplama, não sendo possível impedir o avanço do desgaste.
A plataforma está localizada em faixa de praia, projetando-se em direção ao mar, espaços que, conforme a Constituição Federal, são da União e cuja utilização precisa ser autorizada pelo órgão competente. Por sua vez, a AGU entendeu que a plataforma primeiro precisaria ser regularizada junto à União para depois ser repassada ao município de Xangri-Lá, permitindo, assim, o investimento com dinheiro público municipal.
Conforme Rabadan, o TAC estabeleceria as seguintes ações: a União concederia uma autorização de obras, o que permitiria que a prefeitura repassasse dinheiro para a associação, que já iniciaria a reforma da região do restaurante na plataforma. A posse, então, passaria para a prefeitura, que a retransmitiria por tempo determinado para a associação. A partir de então, quando houvesse necessidade de verba, seria possível realizar a transmissão.
Situação atual
Procurada pela reportagem, a prefeitura de Xangri-Lá se manifestou por meio de nota oficial, destacando que a administração tem mantido diálogos contínuos com o propósito de conduzir uma avaliação abrangente da situação relacionada ao patrimônio, ao meio ambiente e à integridade estrutural da plataforma.
"Este esforço visa a regularização e a subsequente reforma do referido bem. Cumpre esclarecer que, até o presente momento, não foi formalizado nenhum acordo ou documento com os órgãos acima mencionados. Tal fato se deve à espera pela regularização do patrimônio, a ser realizada entre a Asuplama e a SPU, bem como à expectativa pelo laudo técnico abrangente que abarcará todos os reparos necessários", afirma o documento assinado pelo prefeito Celso Bassani Barbosa. De acordo com ele, o laudo é imprescindível para viabilizar a elaboração de orçamentos, a condução de eventuais processos licitatórios ou, em último caso, a contratação de serviços emergenciais.
O MPF também optou por se manifestar por nota, destacando que existe um inquérito civil público em andamento com o objetivo de apurar a regularidade do uso da Plataforma de Atlântida, sua patrimonialidade, bem como a responsabilidade pela sua conservação. No entanto, o órgão salientou que já realizou mais de 20 reuniões, "resultando na apresentação de uma proposta de TAC, que definia o papel dos entes públicos e privados quanto ao uso e conservação da plataforma. A proposta foi discutida e analisada, no entanto, não houve consenso para assinatura do acordo."
Já a AGU informou, por nota, que, em conjunto com a Superintendência de Patrimônio da União no Estado do Rio Grande do Sul (SPU/RS), tem se esforçado para oferecer a saída jurídica mais segura e eficaz ao caso. "No momento, a AGU aguarda o envio de documentação pela associação à SPU/RS, para que a União possa analisar a regularização patrimonial do empreendimento com a urgência que o caso requer, de modo que a realização de obras de reparos nas estruturas seja possibilitada", finaliza.
Todavia, o presidente da Asuplama ressalta que a documentação já foi enviada tanto à SPU quanto à prefeitura. "A documentação foi enviada para a SPU no dia 07/05/23. A prefeitura tinha em mãos o orçamento e laudo com registro fotográfico referente à região que entrou em colapso. Um novo laudo orçamentado foi entregue em 15/07/23, atendendo ao pedido do prefeito de que fosse mais abrangente, incluindo toda a plataforma", afirma Rabadan. O único documento que não foi enviado é um laudo da Marinha, solicitado em maio e que até hoje não foi emitido.
A prefeitura, por sua vez, afirma que não foram realizados mergulhos para verificar a estrutura submersa e não há um laudo técnico oficial para além do orçamento.
GZH aguarda posicionamento da SPU.
Investimento de milhões
Conforme estudo inicial apresentado pela associação, seria necessário um orçamento de R$ 620 mil para a reforma estrutural da área do restaurante – valor que a associação afirmava não dispor. No final de 2022, o valor atualizado chegava a R$ 820 mil. Neste ano, a pedido da prefeitura, a associação refez o orçamento, desta vez, abrangendo toda a plataforma. Os custos chegariam a R$ 5,7 milhões. Desde então, a associação afirma não ter recebido nenhum retorno.
Com o atingimento de um impasse e a percepção de que não haveria tempo hábil para operar no verão de 2023, a Asuplama contratou, por conta própria, uma recuperação parcial da plataforma, no valor de R$ 300 mil. A região que entrou em colapso no último domingo não foi contemplada, pois, apesar da ciência de que era necessário reformar a estrutura, na época, ainda não havia sinal de problemas graves.
Nova reunião na sexta-feira
Uma nova reunião sobre o assunto está agendada para esta sexta-feira (20). Durante o encontro, serão debatidas medidas emergenciais voltadas à conservação da Plataforma de Atlântida. O MPF afirma que continua acompanhando a questão para ver quais serão as medidas que os órgãos públicos e a entidade que possuem o dever de conservação do bem vão adotar, principalmente em decorrência do agravamento da questão pelo desabamento de parte da estrutura. Caso não haja sinalização concreta de solução na reunião, o MPF irá propor medidas judiciais.
Futuro da plataforma
Para Rabadan, ainda não é possível estimar qual será o valor necessário para recuperar o espaço. Entretanto, considera que ultrapassará a quantia de R$ 5 milhões, calculada quando parte do prédio ainda não havia desabado.
O presidente da Asuplama salienta que a associação precisa pagar os funcionários, além de contas, como a reforma parcial conduzida no último ano, mas enfrenta dificuldades, pois possui apenas 230 sócios pagantes — e, agora, a situação fica ainda mais complicada com o acesso interditado, inclusive para o turismo, outra fonte de renda do local, e para a retirada de equipamentos de pesca. Historicamente, quando algum problema afeta a estrutura, a entidade perde associados, e o processo de recuperação é lento.
— Nós dependemos de abrir nossas portas para que a gente tenha, pelo menos, o pagamento dos associados. Boa parte são pessoas humildes, eles deixam de pagar (se não utilizarem a plataforma), vai fazer falta para eles o dinheiro, porque pescando eles levam para casa, almoçam, eles têm um custo menor pelo fato de serem sócios. E aí você tem de refazer o reforço estrutural, contando com uma arrecadação que ficou muito reduzida. Então, isso tudo prejudica muito a questão de sobrevivência da associação — lamenta.
O processo de colapso da estrutura ainda não terminou, lembra Rabadan, e é necessário que aconteça para que uma nova avaliação estrutural seja realizada. Em seguida, a ideia é entrar em contato com empresas e entidades que possam auxiliar na reconstrução. O presidente destaca ainda que o único consolo é saber que ninguém se machucou e faz um alerta a surfistas e outras pessoas para que não se aventurem no local e tenham cuidado, pois pode haver ferragem exposta.
— E eu desejo que a gente não tenha chegado ao fim, mas que seja o meio da história da plataforma — finaliza.