O anúncio de investimento privado de R$ 50 milhões ao longo de cinco anos na praça central de Atlântida deve alterar o coração de uma das principais praias de Xangri-lá, no litoral norte gaúcho. Após denúncia de uma empresa que não participou do chamamento, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) faz apurações preliminares sobre a licitude da concessão (leia mais a seguir) que gerou grande repercussão entre moradores e proprietários de imóvel na região.
A licitação feita pela prefeitura de Xangri-lá resultou em uma única empresa interessada e vencedora: a Bier Moreira Eventos Esportivos, cujos sócios são responsáveis pelos complexos gastronômicos da marca Roubadinhas, presente na Avenida Central de Atlântida e no bairro Auxiliadora, em Porto Alegre.
A concessão da praça central de Xangri-lá dura cinco anos, prorrogáveis pelo mesmo período. Como contrapartida, além do investimento em calçadas, iluminação e paisagismo, a empresa pagará R$ 980 mil à prefeitura.
O projeto inclui a instalação, na praça, de um complexo gastronômico com bares e restaurantes. Haverá ainda casinhas de crepe, área para feiras de artesanato e orgânica, posto policial, chuveiros e sanitários públicos e uma roda-gigante de 25 metros de altura (esta, a partir do terceiro ano).
Haverá também foco em práticas esportivas, com quadras de areia para beach tennis, futevôlei e vôlei. Duas áreas – uma coberta e a outra, ao ar livre – serão focadas em crianças. A empresa colocará também pista de caminhada e corrida.
Neste verão, a empresa promete já ter instalado parte das atividades, com abertura de alguns bares e restaurantes. Haverá grande trabalho pela frente. Ao circular pela praça nesta terça-feira (1º) de inverno, GZH notou uma aura melancólica, de infraestrutura subutilizada.
Há equipamentos esportivos enferrujados, quadra esportiva de areia com redes caídas no chão, pista de minigolfe e grama cortada, mas sem paisagismo. Um antigo restaurante teve paredes e teto derrubados. O chafariz estava com pintura em dia.
A Associação dos Moradores de Xangri-lá foi contatada pela reportagem, mas não quis se manifestar. A grande maioria dos frequentadores da praça ouvidos por GZH na manhã e tarde desta terça aprova a chegada do novo empreendimento esportivo e gastronômico, sob a avaliação de que Atlântida ganhará mais opções de lazer.
— Vai chamar ainda mais o turista. Hoje, a praça tá meio acabada. Com roda-gigante e paisagismo, vai ficar muito legal e ter mais opção de o que fazer — diz a babá Tabita Nascimento, 19 anos.
Dono de um minimercado em frente à praça, Maurício Giovelli, 45, aguarda a maior movimentação e os resultados positivos do incremento na circulação de transeuntes.
— Atlântida vai voltar a ser o que era antes, uma referência no verão. É mais gente pro comércio. Tem público. Aqui tem menos gente do que em Capão da Canoa, mas o poder aquisitivo é maior — afirma o pequeno empresário.
A possibilidade de diversificar opções de lazer no Litoral Norte é um resultado positivo da entrada de um grande investimento em Atlântida, afirma o securitário aposentado Ademir Sartori, 72. Ele caminhava à beira-mar de Xangri-lá com a esposa, a servidora pública aposentada Marlene Sartori, 67.
— É bom diversificar e puxar (o movimento) para Xangri-lá, não ficar só em Capão da Canoa. E é importante ter local para praticar esporte, não adianta falar que tem que fazer, mas não ter onde fazer. Vai ser bom para os filhos e os netos — diz o aposentado.
Há moradores que trazem ressalvas sobre as alterações a serem feitas na área, como a psicóloga Emilia Fattori, 66. Ela tem imóvel próximo à praça central de Atlântida e teme a descaracterização do local em um contexto maior, no qual Xangri-lá caminha para uma organização urbanística semelhante à de Balneário Camboriú e Capão da Canoa.
Ela traz, também, o receio das consequências negativas de uma possível grande movimentação na área, citando que, anos atrás, muitos vizinhos venderam apartamentos abaixo do preço de mercado por conta do barulho trazido por jovens que bebiam no local.
— Pode ter empreendimento e coisas novas sem perder o que é importante e o que caracteriza uma praça, como confraternização, ter brinquedo para crianças e poder colocar cadeiras para sentar. Podemos conviver com as duas coisas, não precisa ser oito ou 80, megaprojeto ou o abandono de hoje. Queremos um meio-termo. E sou contra um investimento voltado a um único público. Praça tem que ser para idosos, crianças e jovens. Precisa ter revitalização e resgate, mas com cuidado para não descaracterizar a praça — diz.
A empresária aposentada Maria das Graças Studzinski, 75, que possui apartamento em frente à praça há 23 anos, é crítica ao projeto e observa o abandono do espaço pelo poder público antes do investimento privado.
— Tem que harmonizar essa praça, fazer algo para curtir, mas não explorar. É uma praça, uma coisa pública. A prefeitura recolhe IPTU, poderia fazer algo. Imagina um arquiteto que entenda de urbanização fazendo algo interessante — diz.
MP investiga licitação
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) faz uma apuração preliminar das etapas da licitação organizadas pela prefeitura de Xangri-lá para conceder a praça à iniciativa privada, após denúncia de uma empresa que queria participar do trâmite, mas que não esteve presente e acusa inconsistências no processo. A Promotoria solicitou informações à prefeitura e aguarda resposta
O que diz a prefeitura
Sobre o procedimento no Ministério Público, a prefeitura informa que a “licitação ocorreu normalmente, não houve impugnação do edital, o município está prestando todos os esclarecimentos e, se por ventura houver alguma recomendação do MP ou de outro órgão de controle, o município irá acolher”.
Sobre a motivação para a concessão da praça, o Executivo reconhece que o espaço estava abandonado, mas diz que a concessão foi feita para que a iniciativa privada revitalize o local, segundo o secretário de Turismo de Xangri-lá, Cristovão Wolff.
— Esse espaço é nobre, porém abandonado. E é difícil de fazer a manutenção, é uma praça grande e temos pouca mão de obra. A concessão é uma forma de valorizar aquele espaço. A gente sempre cuidou, mas vem parecendo um descaso. Um tempo atrás, ali existia briga, bagunça, garrafada e certa criminalização na volta. A ideia é que esse espaço seja limpo e organizado. Isso é uma benfeitoria pensada para melhorar o lugar onde as pessoas moram e onde vêm passar o seu verão — diz o secretário.
O secretário de Turismo de Xangri-lá salienta que o espaço não será cercado e que seguirá público, aberto à população:
— Não pode ter cerca. Será um espaço público, como sempre foi. Vão revitalizar a praça, mas nada de cercar.
O que diz a empresa responsável pelo investimento
Sobre as visões críticas ao empreendimento, a sócia da Bier, a empresária Juliana Bier diz que o local será transformado em um espaço de convivência plural e que respeite o meio ambiente. Ela destaca que não haverá segregação e que a área será pública.
— É um lugar para as pessoas irem e quererem ficar. Não é "quem é adulto vai adorar". Quem tiver filhos pequenos também vai adorar estar no centrinho porque terá muita possibilidade para as crianças. Quem é idoso vai adorar porque poderá sentar nos bancos, apreciar as áreas verdes e tomar seu chimarrão. A ideia é que o centrinho volte a ser um destino. Atualmente, não é um local que as pessoas querem ir. Já foi o point de muitas gerações. A ideia é resgatar o que tem de bom e trazer ainda mais possibilidades — afirma.