As prefeituras de Torres, no Litoral Norte, e Passo de Torres, em Santa Catarina, têm leis que autorizam uma parceria para manutenção na ponte pênsil, mas não fizeram nenhum convênio para conduzir os reparos. A informação foi confirmada pela prefeitura do município gaúcho a GZH nesta quinta-feira (23). A cidade catarinense não respondeu à reportagem sobre o assunto. A passarela virou na madrugada de segunda-feira (20), com dezenas de pessoas; um jovem de 20 anos morreu afogado no acidente.
Na prática, as prefeituras fazem os reparos na travessia conforme a necessidade, sem planejamento conjunto. O Executivo catarinense informou que esse trabalho preventivo ocorreu três dias antes do acidente. "A manutenção dos cabos de sustentação das cabeceiras e troca das pranchas de madeira são realizadas com frequência pelo município, sendo registradas nesta sexta-feira, 17 de fevereiro, a última manutenção preventiva do local com o reparo nos cabos, tirantes, tela e estrados", disse por meio nota à reportagem. O texto não dá detalhes se a manutenção foi feita no cabo que cedeu no dia do acidente.
A gestão de Torres não esclareceu a última vez que os reparos foram feitos. Consultadas nesta quinta, as prefeituras não informaram como é decidida a manutenção da via entre as partes.
Um acordo entre as administrações seria legalmente possível pois ambas têm legislações em vigor que autorizam um pacto bilateral, ainda que sejam de Estados distintos. No caso de Torres, a lei é a de número 2.596, de 1993, que autoriza o executivo a firmar convênio com Passo de Torres, para “manutenção e melhoramento” na ponte pênsil.
A do município catarinense, número 452, de 2003, tem texto parecido, ao autorizar a prefeitura a consumar um acordo com Torres para serviços na via.
Ambas tratam do mesmo peso de responsabilidade: “Fica estabelecido que sempre que houver necessidade de conservação e reparos, ambas prefeituras participarão, cabendo a cada uma arcar com 50% dos custos”, diz a norma de Torres.
“O processo licitatório ou cotação de preços poderá ser efetuado por uma das partes, mas a contratação será efetuada por cada município, na proporção de 50% do total do custo”, determina a legislação de Passo de Torres.
Os textos das duas leis não dão detalhes de como seria o trabalho entre as prefeituras: cronograma de melhorias, qual parte da ponte seria responsabilidade de quem, tampouco quanto cada uma deveria despender para obras ou ampliação.
A ideia de uma parceria entre as duas foi conversada pelas prefeituras em maio de 2021. Segundo o site da prefeitura de Torres, à época, o secretário municipal de Planejamento e Participação Cidadã, Matheus Junges, participou de agenda com Valmir Augusto Rodrigues, prefeito do município catarinense, “para tratar de estratégias visando a manutenção periódica da ponte pênsil.” “De acordo com o secretário, a ideia é estabelecer uma espécie de consórcio entre as duas cidades que garanta esta manutenção cotidiana e futuras melhorias”, diz o texto. O material destaca a “ótima comunicação e parceria” entre as duas administrações.
O acordo, entretanto, não foi consumado entre as partes. Em outro episódio, em 2014, a ponte ficou por meses interditada porque os cabos haviam se rompido e o assoalho foi retirado. Na época, as duas prefeituras se uniram e refizeram a travessia, que, desde então, não foi mais fechada. A passarela foi inaugurada em 24 de outubro de 1964, e revitalizada em 1985.
Investigação do MP
O Ministério Público (MP) investigará as causas do acidente na ponte pênsil em Torres por meio de um inquérito civil que será aberto nos próximos dias, informou o órgão a GZH nesta quinta. A Polícia Civil gaúcha e de Santa Catarina também conduzem investigações. Segundo Márcio Roberto Silva de Carvalho, promotor de Torres, o Ministério Público Federal (MPF) definiu que a investigação do episódio será estadual. Ele diz que a ideia é a de que o trabalho seja feito em parceria com o MP do Estado vizinho.
— Vamos solicitar documentos de Torres e de Passo de Torres, da investigação da Polícia Civil. Também vou pedir a parte técnica do MP, para entender o que houve de fato, quais foram as possíveis causas e, acima de tudo, indicar uma solução técnica para que isso não ocorra mais — diz.
O promotor afirma que também será avaliada a possibilidade de a ponte voltar a ser usada e que tipo de investimento seria necessário para que a travessia seja segura. Em 10 anos no MP de Torres, o promotor diz não ter recebido informações de problemas nas estruturas da ponte pênsil.
— Nunca tive uma reclamação envolvendo um potencial perigo na instalação da ponte devido à falta de manutenção. Ficamos realmente surpresos com a situação (o acidente) — comenta.