Apesar de estar chamando a atenção há alguns meses, a obra para alargamento da faixa de areia da praia central de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, não é algo incomum. Medidas semelhantes, tanto para amenizar a disputa por espaço quanto para resolver problemas causados pelo avanço do mar, já foram adotadas em outros locais.
Em Santa Catarina, foram realizadas obras de engordamento da faixa de areia na Guarda do Embaú, localizada na cidade de Palhoça, em Balneário Piçarras e na praia de Canasvieiras, em Florianópolis — onde há, ainda, projetos em andamento para alargar mais três praias: Ingleses, Jurerê tradicional e Armação. Ilhabela, em São Paulo, e Natal, no Rio Grande do Norte, também planejam intervenções semelhantes, enquanto a Praia de Iracema, em Fortaleza, teve seu alargamento finalizado em 2019.
Consultadas, as prefeituras de Tramandaí, Cidreira, Capão da Canoa, Imbé, Rio Grande e Torres, cidades do litoral do Rio Grande do Sul, afirmaram que não têm previsão de nenhum projeto para o alargamento das faixas de areia de suas praias. Até a publicação desta reportagem, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não havia retornado o questionamento sobre a existência de algum projeto semelhante em outros municípios do Estado.
Santa Catarina
Canasvieiras
De acordo com o secretário de Infraestrutura da capital catarinense, Valter Gallina, o alargamento de Canasvieiras era uma demanda solicitada há muito tempo por moradores e turistas. A faixa de areia, que antes tinha entre um e cinco metros, conforme o trecho, agora tem cerca de 45 metros de largura no decorrer de 2.340 metros de extensão.
— Fizemos uma faixa de areia de 45 metros para que, com as fortes marés, ela se estabilizasse entre 30 e 35 metros. Mas, para nossa surpresa positiva, a faixa continua com seus 45 metros, mesmo com marés fortíssimas — afirma.
Com um investimento de mais de R$ 10 milhões, as obras na praia duraram cem dias e foram finalizadas em dezembro de 2019. O secretário ressalta que o alargamento impulsionou a valorização dos imóveis e o desenvolvimento econômico da região, gerando empregos e renda.
Ingleses e Jurerê tradicional
Outras duas praias da Ilha que precisarão de obras semelhantes são Ingleses e Jurerê tradicional. Para essas, os projetos já estão prontos, segundo Gallina, mas será preciso desenvolver estudos ambientais para, então, encaminhá-los ao Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina. A ideia é que as documentações sejam entregues ao órgão até janeiro de 2022.
— A praia dos Ingleses é praticamente uma cidade dentro de Florianópolis, tem cerca de 60 mil habitantes, mas na alta temporada abriga muito mais. E no canto sul dos Ingleses não tem praticamente mais nada de areia, é uma praia que realmente precisa do engordamento — comenta, destacando que a faixa de areia do local também terá 45 metros de largura, de forma uniforme, ao longo de toda a praia.
Já em Jurerê, a obra será necessária porque a faixa de areia se retraiu muito e, em alguns pontos, tem somente cinco metros de largura. O secretário afirma que ambos alargamentos devem iniciar somente em agosto do próximo ano, pois não se pode executar projetos do tipo em Florianópolis durante a safra da tainha (entre junho e julho). Assim, será possível concluí-los antes da temporada de verão 2022/2023.
Armação
Na praia da Armação, no sul da Ilha, o projeto de alargamento da faixa de areia é um pouco diferente. Gallina explica que, por ser mar aberto, a obra sairia 10 vezes mais cara do que a de Canasvieiras. Diante disso, a alternativa encontrada será construir um molhe:
— As ondas vão vir, bater no molhe e levar areia para a praia de forma natural. É mais demorado, para sair o engordamento vai demorar uns cinco ou seis anos, mas é uma forma de fazer sem ter que gastar muito.
Esse projeto, contudo, ainda está sendo elaborado. A expectativa é de que ele fique ponto no início do ano para que, então, se possa dar andamento ao estudo ambiental e, em seguida, encaminhar ao IMA.
Balneário Piçarras
De acordo com a prefeitura de Balneário Piçarras, a praia central do município já passou por três obras de engordamento da faixa de areia. A primeira foi em 1998, quando a cidade estava “à beira da falência em termos turísticos e imobiliários”. Isso porque ressacas constantes haviam destruído a orla central, ameaçando, inclusive, alguns prédios na quadra do mar.
Dez anos depois, foi realizada uma segunda obra de aterramento sanitário da praia central, desta vez no trecho da Barra Sul. O último alargamento da faixa de areia ocorreu em 2012. No total, as três obras custaram R$ 12,6 milhões — R$ 3,5 milhões (1998), R$ 2,5 milhões (2008) e R$ 6,6 milhões (2012).
Atualmente, a prefeitura municipal afirma entender que há necessidade de uma nova obra de engordamento da faixa de areia. Entretanto, no momento não há um projeto ou previsão de orçamento para essa demanda, nem data para início dos estudos.
Guarda do Embaú
Em 2020, a orla do Rio da Madre, na Guarda do Embaú, precisou de uma intervenção semelhante. Segundo a prefeitura de Palhoça, o local teve uma redução “drástica” em sua faixa de areia, após ser atingido por fenômenos naturais — como a maré alta, a passagem de um ciclone e a ressaca do mar. O problema colocou em risco a estrutura de casas e da rede de energia elétrica da região.
Diante desse cenário, a prefeitura promoveu o desassoreamento do local, em caráter emergencial, por solicitação da Defesa Civil. As obras iniciaram em 28 de julho, em frente à vila, onde foi feito o alargamento da areia em 20 metros, ao longo de 350 metros da orla esquerda do Rio da Madre. A areia utilizada para a recomposição da área foi retirada do próprio local.
Finalizada em setembro, a obra ajudou a recuperar o curso natural do rio, que havia sido igualmente alterado por fenômenos climáticos, proporcionou melhor fixação dos postes de distribuição de energia e permitiu acesso às casas existentes no local.
Outros Estados
Praia de Iracema
Em novembro de 2019, a prefeitura de Fortaleza, no Ceará, concluiu o alargamento da Praia de Iracema, com o acréscimo de aproximadamente 80 metros de faixa de areia, em uma extensão de 1,2 quilômetro, no trecho entre os espigões da Avenida Rui Barbosa até a Avenida Desembargador Moreira. De acordo com o município, as intervenções consistiram na engorda do aterro já existente no local e na criação de um novo aterro. Juntas, as faixas alargadas somam cerca de dois quilômetros, uma área equivalente a quase 18 quarteirões.
Com um investimento de R$ 67,9 milhões, a obra do novo aterro realizada na Avenida Beira-Mar possibilitou a ampliação do calçadão, a instalação de equipamentos de esportes e lazer, além da construção da nova via paisagística com ciclovia, pista de cooper e vagas de estacionamento.
Praia de Ponta Negra
Natal, no Rio Grande do Norte, também planeja uma obra semelhante na Praia de Ponta Negra, principal cartão-postal da cidade. Segundo a prefeitura municipal, o alargamento da faixa de areia contempla quatro quilômetros de extensão entre o Morro do Careca e o hotel Serhs, na Via Costeira. O objetivo da intervenção é deixar a faixa de praia com cem metros quando a maré estiver seca e, com 30 a 50 metros, quando cheia.
A obra de Natal também contará com uma proteção costeira de blocos de concreto em uma extensão de dois quilômetros, que serão somados aos dois quilômetros já existentes de uma estrutura de pedras. A licitação para essa proteção será aberta em 10 de dezembro, com um valor de pouco mais de R$ 20 milhões. Já a engorda da faixa de areia custará R$ 55 milhões, mas o município está aguardando as licenças ambientais para realizar uma audiência pública e, posteriormente, abrir a licitação.
Ilhabela
Em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, há uma licitação aberta para a contratação de um estudo de reposição de areia em algumas praias, como Barra Velha, Perequê, Itaquanduba, Engenho D’Água, Ponta do Pequeá e Praia da Vila. Toninho Colucci, prefeito da cidade, esteve em Florianópolis na semana passada para conferir o resultado do alargamento de Canasvieiras.
Segundo ele, a intervenção pensada para Ilhabela é um pouco diferente do que foi feito em Balneário Camboriú — local que também visitou — e mais semelhante ao projeto de Canasvieiras. A ideia é repor a faixa de areia perdida nos últimos 30 anos. Colucci explica que os estudos para o aumento da faixa de areia da cidade começaram em 2015 e, agora, está aberta a licitação para que empresas apresentem os valores para encontrar a jazida ideal.
— Esse é o primeiro passo que antecede o planejamento da obra. Dependendo da jazida, a operação pode ser mais simples ou mais complicada, mas será menos complexa do que a de Camboriú. A estimativa é de que o custo seja algo em torno de 20 milhões — afirma.
O prefeito destaca que, nos últimos 50 anos, as obras do porto de São Sebastião e do Terminal Marítimo Almirante Barroso modificaram o fluxo da água no entorno da ilha, resultando na erosão das faixas de areia. Além disso, ressalta que o perfil turístico da cidade requer que as praias tenham condições de receber os visitantes.
Impactos ambientais
Paulo Horta, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirma que o engordamento de uma faixa de areia gera impactos tanto na região que está doando o sedimento, no fundo do mar, quanto na área que receberá aquele material. Na beira da praia, a intervenção pode provocar uma transformação na biodiversidade — o que gera impactos sobre a pesca, sobre a maricultura e até mesmo sobre o próprio turismo.
Isso porque a disposição dos sedimentos sobre a praia causa o sufocamento dos organismos que ali vivem, como mariscos, bolachas, tatuíras e dezenas de outras espécies que são menos conhecidas, segundo o professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) André Colling. Além disso, essas intervenções podem afetar as aves marinhas, que se alimentam dos invertebrados que vivem nas praias.
— Os organismos que vivem dentro da areia já existente serão soterrados e mortos, sem dúvidas, porque o tamanho deles não permite que saiam dessa grande camada de sedimento que foi colocada. Então, em toda a faixa de praia onde essa obra ocorre, haverá uma mortalidade imediata de todas essas espécies — esclarece Colling.
Também é necessário que a areia colocada na praia tenha características muito similares àquela que já existe no local, pois essa é uma das condições essenciais para a recuperação dos organismos da área impactada. Por isso, as obras de alargamento passam por uma análise e só são liberadas quando os tamanhos das areias da beira e da jazida são semelhantes.
— É muito importante que esses projetos sejam acompanhados de um estudo de impacto ambiental multidisciplinar bem estruturado e que, depois, haja um monitoramento detalhado — salienta Horta.
Para Colling, o ideal é que haja estudos prévios, em escala de décadas, nos locais onde serão realizadas obras do tipo, para que se entenda quais são as condições ambientais daquela determinada região. É preciso saber, por exemplo, quais espécies vivem naquela areia, se há alguma rara ou em risco de extinção.
Na jazida, além de analisar quais organismos vivem ali, os estudos devem avaliar se é uma área utilizada para pesca. Segundo o professor da Furg, a expectativa é de que, com o tempo, tanto o local de retirada quanto o sedimento colocado sobre a praia sejam recolonizados pelos organismos. Entretanto, ele reforça que isso não acontece imediatamente e que também depende de outras condições, como o oxigênio e percentual de lama junto à areia.
— Uma das maneiras de promover a rápida recolonização das espécies de praias arenosas é finalizar o engordamento antes dos meses de primavera e verão, pois os ciclos reprodutivos de muitas espécies estão associados ao aumento da temperatura. E, se as características ambientais da praia estiverem adequadas, a sincronia com os períodos de reprodução pode promover o retorno mais rápido da biota local — diz Colling.
Por que ocorre a erosão costeira?
O professor do Instituto de Oceanografia da Furg esclarece que o litoral enfrenta problemas de erosão costeira não só por causa das oscilações do nível do mar, mas também porque a própria linha de costa se modifica com o tempo. Então, há regiões costeiras que são erodidas, ou seja, que perdem areia com o passar dos anos, enquanto outras recebem areia, passando por um alargamento natural.
Para Paulo Horta, também é necessário estudar a erosão das praias para buscar as origens do problema e fazer um planejamento costeiro integrado que possa corrigir erros do passado. Assim, considera relevante preservar as dunas que ainda existem e ampliar a discussão sobre as mudanças climáticas, já que a elevação do nível do mar e da frequência das tempestades têm causado impactos adicionais.
— É importante que essa discussão, que se mobilizou em função dos alargamentos em Santa Catarina, se espalhe por todo o Brasil, para que tenhamos uma visão difundida em prevenção, precaução e ciência sobre as intervenções — opina Horta.
Como o IMA avalia os projetos
Anderson Biancini, geólogo do Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina, explica que os projetos de alargamento da faixa de areia passam por um processo de licenciamento ambiental de três fases. A primeira corresponde à licença prévia (LAP), que aprova a concepção e localização do empreendimento. Posteriormente, é necessária a licença de instalação (LAI), que autoriza a atividade de dragagem da jazida e disposição do material na praia a ser alimentada, considerando as especificações dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e condicionantes ambientais.
Por fim, existe a licença de operação (LAO), que, neste caso, exclusivamente, pode ou não ser emitida considerando uma série de requisitos técnicos. O geólogo salienta que uma série de estudos e documentos são analisados nas diferentes fases do licenciamento, dentre eles, a viabilidade locacional da jazida de empréstimo, que deve apresentar sedimentos com características similares às da praia que será alimentada.
— É na fase de instalação que estão os programas ambientais. O município e a empresa contratada para o serviço devem definir, diante de cada impacto ambiental, uma ação mitigadora. Mas, mesmo prevendo essa medida, é preciso monitorar se essa ação está sendo efetiva — destaca Biancini.