Tubarões, pessoas atoladas na areia e aparição de grandes volumes de conchas geraram dúvidas sobre as obras de alargamento da faixa de areia de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, nas últimas semanas. Desde o início das obras, no final de agosto, a praia do litoral catarinense tem chamado a atenção pelas adversidades durante o processo de ampliação em 50m da orla, mas frequentadores ouvidos pela reportagem de GZH não têm encarado as mudanças como problema.
A obra, que foi tomando forma após estudos técnicos e a realização de um plebiscito em 2001, tem sido vista de forma positiva. Há até mesmo quem tem feito graça com as faixas de isolamento na areia. Os mágicos da página @clubedemagica Felipe Cunha, 25 anos, e Henrique Sommer, 28, moram em Balneário há três meses e usavam as placas de "perigo, risco de atolamento", na área de areia ainda não liberada, para fazer vídeos para as redes sociais, na semana passada, quando a reportagem de GZH esteve na orla.
— Ficou gigante essa faixa de areia, a única coisa ruim é que sou "pesado" e ficou longe para comprar churros (risos) — brinca Cunha, que avalia a aparição dos tubarões como “natural”.
— Isso aqui era um formigueiro na temporada, vai ficar mais confortável — completa Sommer.
A presença dos tubarões também não tem preocupado os banhistas. O empresário Felipe Moura, 37, é natural de Ibiporã (PR) e tem o costume de ir a Balneário desde a infância. De olho no filho Bernardo, seis anos, ele conta que não mudou hábitos, já que a criança frequenta somente a área rasa do mar.
Segundo Moura, o alargamento tem gerado outros impactos visíveis na avenida principal que acompanha a orla, com a primeira etapa prevista para ser entregue no dia 4 de dezembro:
— Em agosto do ano passado, eu vi um monte de placas de gente vendendo imóveis. Agora, todas elas sumiram. Está tendo uma valorização gigantesca, e o pessoal percebeu isso.
Trabalhando na região há 20 anos, Erica Calixto espera recuperar o orçamento após duas temporadas fracas e torce para que as obras terminem logo, pois ainda há indefinição de como serão os próximos meses. Após o término do alargamento, a prefeitura de Balneário Camboriú anunciou que revitalizará a ciclovia e que os quiosques devem passar por reformulações – os prazos ainda não foram divulgados.
Para Isaias Junior, que trabalha como vendedor no calçadão há seis anos, a expectativa é de que os ganhos dobrem com a nova faixa de areia:
— A única coisa ruim mesmo é que ficou longe de atender quem está colado na frente do mar, mas é um problema bom (risos).
Estudos realizados
Os impactos ambientais visíveis na praia central de Balneário Camboriú foram amenizados pela prefeitura municipal, que destaca ter realizado 42 estudos técnicos ambientais e condicionantes para que a obra saísse do papel. O professor Jules Soto, curador do Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e especialista em criaturas marinhas, acompanhou a etapa anterior ao início do alargamento e reitera que as alterações naturais eram esperadas.
— Não temos estudos que descrevam com precisão como era a orla no passado, durante a dragagem e o que virá depois. Não tem um trabalho que avalia impactos reais. O que sabemos é que Balneário não tinha a estrutura de praia como conhecemos há décadas: é uma linha de costa completamente alterada pelo pisoteio de milhares de pessoas por dia — define Soto, que estuda as espécies da região do litoral catarinense desde a década de 1990.
Um dos argumentos defendidos para a realização da ampliação da faixa de areia foi o fato de os prédios causarem sombreamento na orla, durante o período da tarde. Na visão de Nelson Fontoura, diretor do Instituto do Meio Ambiente e professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), o plano diretor do município é equivocado neste aspecto: a construção de edifícios tão altos não deveria ter sido permitida no passado.
Para defender a teoria, ele compara a disponibilidade de areia em Torres, no litoral norte gaúcho. Fontoura lembra que há áreas de dunas protegidas, com prédios limitados, e se o procedimento de proteção da praia catarinense tivesse sido tomado, as construções com muitos andares nem existiriam.
— A prefeitura tinha um problema na mão de ter uma densidade populacional grande e uma faixa muito estreita de areia, então a aspiração por alongar era natural. Mas em relação à intervenção em si, não há o que fazer: não existe uma mudança desse tamanho na areia sem causar impacto — reflete Fontoura.
Os estudos também apontavam a necessidade de uma praia mais larga pensando na quantidade de ressacas marítimas. O doutor em Geociência do curso de Oceanografia da Univali, José Gustavo Natorf de Abreu, atesta que a evolução do aquecimento global tem alavancado a ocorrência de ciclones da região – e consequentemente, alterações no nível do mar.
A intervenção realizada com rochas, na região do píer e do terminal portuário, na Barra Sul, há mais de dez anos, não foi positiva na visão de Abreu:
— Tentaram recuperar a praia ali e proteger com pedras, mas deu errado. O mais efetivo é com reposição de areia, que foi o realizado pela dragagem.
Tubarões e conchas
Na semana passada, em entrevista coletiva, o secretário de Turismo da cidade, Geninho Goes, frisou que os casos de tubarões e atolamentos de pessoas foram "ocorrências isoladas". As mais de 20 aparições das espécies marinhas causaram burburinho nas redes, que vieram após a movimentação de sedimentos na região da dragagem de areia, gerando novos alimentos para os tubarões, de acordo com Soto. Fontoura concorda com a explicação, frisando que o mar se tornou uma "verdadeira sopa" para as espécies.
Os pesquisadores lembram que a presença dos tubarões sempre foi comum no litoral catarinense. Soto recorda que, 50 anos atrás, era comum as pessoas tomarem banho de mar e conviver pacificamente com os tubarões.
— Era natural encontrá-los a 2 metros de profundidade. A movimentação e a aparição em maior quantidade são naturais por conta das mudanças na cadeia alimentícia — valida Soto.
Com o fim da dragagem, a expectativa é de que o ecossistema se estabilize aos poucos e, com isso, a quantidade de tubarões reduza. O volume de conchas e estrelas do mar na beira da praia, também. Abreu recorda que estudos já atestaram a existência de praias e até lagoas com milhares de anos aterradas no fundo do mar.
— Algumas das conchas que surgiram na orla agora tem um brilho diferente e são típicas de lagoas de regiões costeiras. A draga, provavelmente, estava acoplada em uma área na qual, entre 3,8 mil anos e 7 mil anos atrás, havia uma lagoa, porque as conchas sugadas ali e trazidas para a beira da praia são diferentes das vistas em mares — atesta o pesquisador da Univali.
Estabilidade
Todo o ecossistema deve se estabilizar nos próximos cinco anos, na visão dos três pesquisadores ouvidos por GZH. Abreu destaca que uma área de ambiente marítimo é muito resiliente, ou seja, capaz de retornar ao seu estado anterior de forma muito rápida – com as próprias espécies e a movimentação da água ajudando no processo de "revitalização" ao estado natural da praia.
Fontoura lembra, no entanto, que uma estabilidade é utópica, porque a praia central jamais voltará à sua estrutura inicial. Mesmo assim, ele avalia que a fauna de praia arenosa é "muito abundante", capaz de superar perturbações e alterações de cadeia alimentícia a longo prazo.
Com a faixa alargada, Balneário passa a contar com uma "estrutura praial clássica” na visão de Soto. Segundo ele, o mais importante é lembrar do objetivo mais visível da praia central do município: veraneio, e não preservar espécies à risca.
— Tem outras praias da região para serem preservadas, mas como a praia central é definida como uma área turística e para ocupação, então ela deve ser usada para isso. As espécies que surgem coabitam ali, então temos que nos adaptar a isso — finaliza Soto.
* O jornalista viajou a convite de Balneário Camboriú Convention & Visitors Bureau