Falta pouco para que veranistas de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, tenham acesso a uma orla com quase o triplo do tamanho, mais sol e menos disputa entre os guarda-sóis.
Com custo de R$ 66,8 milhões, a obra que prevê aumento da faixa de areia de 25 para 70 metros de largura deve ficar pronta em novembro. Até esta quarta-feira (1°), já haviam sido alargados 600 metros de um total de 5,8 quilômetros de praia, segundo a prefeitura. O avanço médio é de 70 metros por dia.
Considerado um dos maiores “engordamentos de praia” da América Latina, o aterro fará com que as sombras dos arranha-céus não atrapalhem mais o banho de mar. No entanto, segundo o prefeito do município, Fabrício de Oliveira, esse não é o principal objetivo da obra, que visa recompor a faixa de areia “engolida” nas últimas décadas.
— Ter mais sol será uma consequência, mas o motivo principal é a recuperação da praia nos mesmos moldes dos anos 1970. Também queremos fazer calçadas, jardins, parques e atualizar equipamentos antigos — garante.
Como funciona a obra
O trabalho começou em março, com a chegada dos primeiros tubos que fazem o transporte da areia de uma draga até a praia (veja abaixo como o trabalho é feito).
A gigantesca draga Galileo Galilei, de 166 metros de comprimento e 36 metros de largura, busca a areia em uma jazida que fica a cerca de 15 quilômetros da costa. O local foi selecionado em razão da compatibilidade do sedimento — sua granulometria (tamanho dos grãos) precisava ser compatível com a da areia da enseada. Conforme especialistas, grãos menores são menos resistentes e podem ser levados pelas ondas.
Para viabilizar a transferência do material, 360 tubos de aço, de seis toneladas cada, foram soldados um ao outro, formando uma tubulação de 2,2 quilômetros com extremos voltados para a praia e para o mar. Os canos rígidos ficam submersos, e outros, flexíveis, chegam à superfície nas pontas.
Após a coleta da areia, o navio, operado por uma tripulação especializada de 28 homens, se desloca para o ponto onde está a extremidade do encanamento no mar. Ali o sedimento é depositado, após ser misturado com água.
— Se ela ficasse muito seca, correria o risco de entupimento da tubulação e seria um dano grave. Então eles sugam água do mar e misturam com a areia antes de jogar para a terra — explica o engenheiro civil Rubens Spernau, gestor da obra.
O material viaja até a praia, onde homens e máquinas o espalham. Cada carga bombeada tem capacidade de 14 mil metros cúbicos e leva cerca de três horas para chegar à costa. Hoje, a tubulação está direcionada para a Barra Sul. Conforme a obra vai avançando, mais tubos são conectados na beira da praia, para fazer a areia chegar a outros pontos. Tanto na draga quanto na orla, o trabalho é feito 24 horas por dia.
Para fazer o aterro na Barra Norte, será preciso pressurizar a tubulação submersa, fazendo-a boiar, e assim movê-la para a direção Norte. Serão usados, ao todo, 2,1 milhões de metros cúbicos de areia para o aumento da orla.
Um projeto antigo
Segundo a prefeitura, o alargamento começou a ser discutido como uma alternativa para o crescimento econômico na década de 1970, mas não foi adiante por falta de tecnologia. Em 1989, o assunto voltou à tona devido ao grande número de construções e às ressacas que cobriam a avenida.
Nos anos 2000, o Instituto Nacional de Pesquisas Hidráulicas (INPH) apresentou uma proposta técnica para o aumento da orla. A sombra que os prédios altos geravam na praia foi acrescentada à necessidade de alargá-la. Em 2001 foi feito um plebiscito, e a maioria dos eleitores votou favoravelmente ao aumento.
Em 2018, o Instituto + BC, uma associação sem fins lucrativos criada para contribuir em ações importantes para a cidade, doou o projeto executivo de Proteção Costeira e Alimentação Artificial da Praia Central. Com isso, a ideia começava a se concretizar.
Em 2019 foi lançado o edital de recuperação da faixa de areia. O vencedor foi o consórcio formado pelas empresas DTA Engenharia e Jan de Null do Brasil Dragagem — esta última, segundo a prefeitura, é responsável por obras como Canal de Suez, Canal do Panamá e Palm Island II (ilha em formato de palmeira em Dubai).
— A maior tecnologia do mundo está sendo usada em Balneário Camboriú — diz o prefeito.
Segundo ele, estudos da modelagem matemática da enseada dão segurança de que a água do mar não irá invadir o aterro tão cedo.
— É claro que não ficaremos livres de manutenção no futuro, mas o trabalho de hoje deve perdurar por décadas e décadas — projeta.
Impactos da obra
Desenvolvida por norte-americanos na década de 1960, a técnica chamada beach nourishment (ou “engordamento de praia”) é a mais usada atualmente, no mundo, para aumento de faixas de areia. Conforme especialistas, a medida é considerada “amigável” e substituiu os enrocamentos (construção de muros para que o mar não avance em direção à praia).
— O propósito do engordamento é recuperar a praia e protegê-la, porque a faixa arenosa é um mecanismo natural de proteção. Se for removido, haverá problemas de erosão gravíssimos — explica Elírio Toldo, geólogo e professor do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica (CECO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Toldo explica que, assim como outras praias pelo mundo, Balneário Camboriú vem sendo engolida pelo mar e pela urbanização. O mesmo ocorreu com a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, que teve a faixa de areia “engordada” nos anos 1970. Segundo ele, a medida tem um tempo de vida útil e precisa ser executada corretamente para durar mais tempo.
Também precisam ser considerados alguns fatores para reduzir ao máximo os impactos negativos. De acordo com o professor, o tamanho do grão de areia depositado deve ser igual ou maior ao da praia, caso contrário será levado pelas ondas. Ele também chama a atenção para a qualidade da areia que é usada em projetos do tipo.
— É preciso saber de onde ela foi retirada, se o sedimento atende a requisitos para ser usado pelas pessoas, pois a areia pode ser um fator de contaminação. A chance é baixa, mas, por exemplo, pode ter ocorrido um derrame de óleo naquele local. Por isso são importantes os estudos — explica.
Outro impacto negativo, conforme o professor, é agressão à fauna e a flora que vivem no local da jazida. Seja no processo de retirada da areia ou durante a transferência do sedimento misturado à agua do mar na tubulação, é inevitável o sofrimento desses organismos.
— É uma agressão, um impacto negativo desse tipo de técnica — diz Toldo.
O oceanógrafo Antonio Klein, professor da Coordenadoria Especial de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também acredita que a retirada de areia do mar pode gerar impacto à fauna. Ele sustenta, no entanto, que a obra pode ser usada como uma oportunidade de pesquisa.
— É óbvio que ao retirar areia do mar haverá um impacto sobre a fauna bentônica (do fundo do mar) junto à jazida e mesmo o soterramento da fauna bentônica nativa da praia. Mas esta é uma área ainda com pouco conhecimento, então poderia ser uma oportunidade de ampliar o conhecimento técnico-científico sobre os efeitos do engordamento de uma praia e a resiliência dos organismos nativos — afirma.
Conforme Klein, impactos positivos também podem ser verificados se a obra for bem planejada, não permitindo mais inundação pelo mar.
— A obra pode ajudar a aumentar ou criar uma zonação morfológica e biológica na praia e dunas frontais, como uma estratégia de mitigação ou adaptação às mudanças climáticas previstas. O fenômeno de inundação ocorre normalmente em Balneário Camboriú há décadas, trazendo transtornos e prejuízos à municipalidade — argumenta.
Segundo a prefeitura, “estudos rigorosos” foram feitos para atestar a qualidade da areia e sua compatibilidade com a praia. Em 2018, foram iniciados processos licitatórios para contratação de empresas especializadas para realizar os estudos necessários para atendimento das condicionantes da licença ambiental prévia. Foram seis licitações para atender 42 condicionantes ambientais.
— Essa obra visa a proteção ambiental. Primeiro porque faz uma proteção costeira, importante para a nossa praia, e segundo porque vai proporcionar espaços de qualidade. Além disso, dentre suas condicionantes, haverá a recuperação de áreas de restinga — afirma o prefeito.
Em 2020, a licença ambiental de instalação (LAI) da obra foi aprovada pela Comissão Central de Licenciamento Ambiental (CCLA) do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA).