O baixo índice de tratamento de esgoto no Litoral Norte é um problema discutido pelo menos desde a década de 1990. Com o crescimento populacional e habitacional da região, esse tema preocupa cada vez mais autoridades, ambientalistas, moradores e veranistas das praias gaúchas. De tudo que é produzido de esgoto no Litoral Norte, apenas 11,4%, em média, é tratado, e a maioria das cidades tem tratamento zero. Não é à toa que ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) têm impedido o avanço da construção civil nos municípios litorâneos.
Mas esse problema parece estar perto de ter uma solução, ainda que provisória, com provável liberação das construções ainda neste semestre. Grupo de trabalho formado por MPF, Ministério Público Estadual (MP), Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e Departamento de Recursos Hídricos finalizou estudo técnico, em dezembro de 2020, que deverá substituir as diretrizes transitórias que vigoram desde 2016 nas ações civis públicas.
Integrante do Núcleo Ambiental do MPF no Estado, Cláudio Terre do Amaral relata que esse regramento será levado à Justiça Federal para que seja apreciado e possa ser aplicado.
— Ao longo deste primeiro semestre de 2021, deverão ser firmados TACs (termos de ajustamento de conduta) com cada município, observando suas particularidades — relata o procurador.
A solução para cidades consideradas horizontais (sem prédios), como Balneário Pinhal, por exemplo, é o tradicional conjunto fossa séptica, filtro e sumidouro. A maioria das residências desses locais já possui esse sistema, mas não há um controle rotineiro do poder público sobre sua limpeza para evitar que a infiltração da parte líquida do esgoto contamine o solo, podendo, até mesmo, chegar ao mar.
— No caso de construções um pouco maiores, a solução poderá ser a construção de estações de tratamento compactas. Já para grandes empreendimentos, haverá de se ter a rede coletora para levar o esgoto até uma estação de tratamento — explica Amaral.
Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Ordem Urbanística do MP, o promotor Maurício Trevisan também integra o grupo de trabalho. Acredita que o impasse está perto de ser solucionado, ainda que provisoriamente.
— O que for de atribuição do Ministério Público Estadual, nós atuaremos. Como, por exemplo, acompanhar as alterações que deverão surgir nos planos diretores. Já fizemos reuniões com os promotores (do Litoral) para deixá-los cientes de tudo. Tão logo se tenha um encaminhamento concreto, nós faremos novas reuniões para que acompanhem de perto a situação de cada uma das cidades — destaca Trevisan.
Ampliação de estação de tratamento
Em Capão da Canoa, no fim de 2020, passou a operar a Estação de Tratamento Guarani. A primeira etapa tem capacidade de atender 80 mil pessoas. Há também quatro bacias de infiltração, cujas obras foram finalizadas em dezembro passado. Em locais onde há rede coletora, o esgoto é tratado e lançado nessas bacias. O líquido resultante desse resíduo fica nesses locais até desaparecer no solo, por infiltração. Com essas estruturas, que lembram grandes piscinas, o problema do extravasamento do esgoto nas que já existiam deverá ser solucionado.
A segunda etapa da estação está em andamento. Dois módulos adicionais estão sendo construídos, e as novas bacias de infiltração estão na fase de assinatura de contrato. A conclusão dessa etapa está estimada para o primeiro semestre de 2022. A cidade, que trata 56,54% do esgoto que produz, possui outra estação de tratamento em operação.
— A Corsan colocou o Litoral Norte como prioridade por entender a importância de a região continuar balneável. Estamos trabalhando também com a modelagem da parceria público privada na área do saneamento. O Estado está dividido em seis módulos, e o Litoral Norte está inserido nesse projeto — relata Liliani Cafruni, diretora de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Corsan.
O diretor técnico da Fepam, Renato Chagas, explica que não é possível encontrar uma solução única para todo o Litoral, em razão das particularidades de cada cidade.
— Para Pinhal, por exemplo, soluções individuais (fossa, filtro e sumidouro) resolvem. Já para Capão da Canoa, a solução é estação de tratamento e bacias de infiltração. No caso de Torres, existe o Rio Mampituba, que pode receber o esgoto tratado. Aí tem que ter rede coletora e estações de bombeamento para levar esse esgoto para ser tratado — pondera.
Chagas lembra que no caso das soluções individuais, a Corsan ficaria responsável pela limpeza das fossas e destinação dos resíduos. Para isso, poderá cobrar uma taxa dos moradores. Atualmente, essa limpeza é feita pelos proprietários dos imóveis, por meio de caminhões que sugam os resíduos. Não há, no entanto, um controle rotineiro do poder público sobre esse serviço nem sobre a destinação desse esgoto.
— Como está, não estamos tendo prejuízo (ambiental). Mas porque foi segurada por três anos a construção civil. Não tenho dúvida de que se não houvesse essa parada, teríamos problemas de balneabilidade — complementa o diretor.
Pesquisadora do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) da Universidade Federal do RS (UFRGS), em Imbé, Cacinele Mariana da Rocha afirma que a ausência ou o baixo tratamento de esgoto no Litoral é ainda mais prejudicial ao ambiente do que em outras localidades.
— Para o ambiente é muito ruim de forma geral porque, como se trata de um substrato arenoso, provavelmente essa contaminação não vai ficar restrita ao local — explica a química e doutora em Oceanografia, ao se referir às casas que possuem fossas sépticas.
O secretário de Obras de Tramandaí, Márcio Soares Gomes José, considera fundamental a conclusão do acordo para que a cidade possa continuar crescendo.
— O tratamento de esgoto é de vital importância. Sofremos com a falta de tratamento. A construção civil é muito importante para a cidade na geração de emprego e renda, mas sabemos que esse crescimento precisa ser sustentável — ressalta o secretário.
José, que assumiu o cargo em janeiro, disse que já se reuniu com representantes da Corsan para tratar do tema. Segundo ele, cobrou da companhia que conclua uma estação de tratamento de esgoto.
— Temos diversos bairros com redes e a gente não consegue ligar por causa da falta de estação. Até que isso seja solucionado, não vamos liberar novas redes — disse o secretário.
Tratamento de esgoto nos municípios do Litoral Norte
Média
- 2021 – 11,4%
- 2020 – 10,82%
- 2019 – 10,82%
- 2018 – 10,90%
- 2017 – 10,90%
Torres
- 2021 – 58,83%
- 2020 – 58,83%
- 2019 – 55,93%
- 2018 – 55,88%
- 2017 – 55,88%
Capão da Canoa
- 2021 – 56,54%
- 2020 – 55,79%
- 2019 – 55,79%
- 2018 – 55,23%
- 2017 – 55,23%
Xangri-lá
- 2021 – 28,57%
- 2020 – 28,57%
- 2019 – 26,13%
- 2018 – 28,67
- 2017 – 28,67%
Tramandaí
- 2021 – 27,37%
- 2020 – 27,46%
- 2019 – 27,46%
- 2018 – 28,04%
- 2017 – 28,04%
Cidreira
- 2021 – 8,02%
- 2020 – 7,38%
- 2019 – 7,38%
- 2018 – 5,64%
- 2017 – 5,64%
Osório
- 2021 – 2,46%
- 2020 – 2,46%
- 2019 – 0%
- 2018 – 0,53%
- 2017 – 0,53%
Imbé
- 2021 – 0,61%
- 2020 – 0,61%
- 2019 – 0,54%
- 2018 – 0,51%
- 2017 – 0,51%
Municípios com tratamento zero
- Arroio do Sal
- Balneário Pinhal
- Capivari do Sul
- Mostardas
- Palmares do Sul
- Santo Antônio da Patrulha
- Tavares
- Terra de Areia
- Três Cachoeiras