"Hoje é a primeira vez que eu vim ver o sol nascer e tô muito decepcionada com o que eu vejo." A frase, dita despretensiosamente pela pequena Isadora Henrique da Costa, sete anos, em um vídeo publicado em uma rede social, mostrava a frustração dela ao acompanhar o pai na primeira vez que teve coragem de acordar cedo para ver o sol surgir à beira da praia de Capão da Canoa, no Litoral Norte.
A imagem do sol forte em meio ao azul de um novo dia contrastava com a sujeira deixada por frequentadores durante a noite e madrugada em 3 de janeiro, no feriadão de Ano-Novo, quando o local estava lotado de turistas. Isadora não entendia o motivo de as pessoas não recolherem seu lixo, que incluía garrafas de vidro e plástico, copos, canudos e sacolas:
— As pessoas podem muito simplesmente pegar e juntar isso em menos de um dia, se elas se unirem podem juntar isso em menos de um dia, praticamente — complementou.
Em poucos dias, o vídeo se espalhou em perfis de moradores do Litoral e de turistas que se preocupam com a preservação da natureza na praia mais populosa e movimentada da região. Páginas ligadas ao surfe e ao cuidado com os animais replicaram a mensagem. Foram milhares de visualizações.
O vídeo, que causou revolta, também levantou a necessidade de tomar uma iniciativa. Foi o que aconteceu com o artista Roberto Lucas Júnior, 26, conhecido na cidade como Junior Lucas. Trabalhando com grafite e outras formas de arte há oito anos, ele decidiu eternizar em um ponto movimentado da cidade o apelo de Isadora. Com latas de spray, foi até um muro no limite entre Capão da Canoa e Atlântida, que anteriormente era alvo de pichadores, e registrou o momento.
A imagem feita pelo artista mostra o pedido de Isadora, com o contraste do amarelo e azul do nascer do sol sobre o mar, o resto de lixo e o pedido da menina com a mesma frase que inicia este texto. Ao lado do grafite, está o nome dela e a data.
O artista disse, em entrevista a GZH, que a fala de Isadora foi como um "basta" para ele. Entendeu que era hora de fazer alguma coisa que pudesse incentivar mais gente:
— Depois de ver o vídeo, fiquei comovido pela questão do lixo. Por ser uma criança, por ter aquela cena do primeiro nascer do sol, isso aí ficou me marcando até o momento da ideia de fazer a arte. A criança, a entonação da voz dela no vídeo, me comoveu bastante.
Júnior Lucas, que também já pintou outros muros com mensagens de preservação, complementou:
— A ideia é almejar um futuro que nós temos como mudar, não é uma coisa difícil, é só uma coisa de consciência. Alcançar mais pessoas a ter essa visão, que uma criança teve, e um adulto tem que ter, para termos um futuro melhor.
Na tarde de quinta-feira (7), a pedido de GZH, a menina e o artista se encontraram em frente à imagem que marcou o apelo dela. Um pouco tímida, diferente da naturalidade que apresentou no vídeo, Isadora agradeceu e disse que a arte ficou "muito bonita". Ela ainda recebeu um boné do artista, que motivou um sorriso — perceptível só pelo olhar, já que ela usava máscara para proteção contra a covid-19.
A GZH, a menina, que é moradora de Capão da Canoa, contou que "sentiu que as pessoas não deviam fazer isso".
— Elas deviam pegar um saco e juntar as coisas delas, as próprias coisas delas e não deixar espalhado, porque a natureza se sente mal com isso — argumentou.
Pai orgulhoso
Pai de Isadora, Ranieri Colombo, 35 anos, conta que ela sempre pediu para ir ver o nascer do sol com ele a partir das imagens que observava no celular, feitas após o corretor de imóveis voltar de seus exercícios matinais. Mas nunca tinha tido a coragem de acordá-la tão cedo. A ideia era surpreendê-la com a beleza do momento, eternizado na memória de tantos gaúchos:
— Neste momento de recesso do escritório, decidi acordá-la cedo e fazer essa surpresa pra ela, mas foi uma surpresa que não foi agradável e certamente ficou marcada de uma forma bem ruim. Estamos esperando passar o tempo feio pra acordar ela cedinho e levar em um dia melhor.
O pai se diz orgulhoso pela mensagem da filha e pelo alcance que teve. Ele explicou que ele e a mãe da menina, Simoni Santos Henrique, 49, sempre conversam com a garota sobre a necessidade de preservação da natureza.
— É uma questão que a gente aborda em casa, de separar o lixo, de segurar o lixo na mão até a hora de chegar em casa, no momento que estiver comendo um chiclete colocar no lixo para evitar que isso atrapalhe um passarinho — detalhou.
Apesar de tudo, Isadora já sonha com o próximo passeio:
— A próxima vez eu quero que não esteja sujo e que elas peguem o saquinho delas e juntem as suas coisas.