Roedor 100% gaúcho, um tuco-tuco das dunas (Ctenomys flamarioni) foi flagrado por um fotógrafo em Atlântida Sul, no Litoral Norte, na tarde de terça-feira (5). O animal, que para desentendidos parece um pequeno rato, tem coloração bege, que se assemelha à das dunas, e não costuma aparecer por longos períodos em áreas movimentadas. É que ele vive em galerias subterrâneas de até 15 metros de extensão, abertas pelo próprio roedor nas dunas.
Quem flagrou o animal foi o fotógrafo Guilherme Custódio, 24 anos, que caminhava na beira da praia com o seu equipamento de trabalho. De acordo com ele, o bicho surpreendentemente não estava arredio e "posou" por quase 10 minutos para as fotos.
— Me chamou atenção ele no meio da duna, de frente para o mar, jogando a areia pra fora do buraco. Nem cheguei muito perto porque sabia que era um tuco-tuco e não queria incomodá-lo muito. Ele se mostrou bem amistoso, fiquei a uns quatro metros de distância e ele não se incomodava com a presença — contou o fotógrafo, que mora em Porto Alegre e veraneia em Atlântida Sul.
De acordo com Guilherme, o registro foi feito entre 12h e 12h10min nas proximidades da imagem de Iemanjá, uma área bem movimentada no verão.
O tuco-tuco das dunas é uma espécie classificada em cor laranja, considerada em perigo na lista de extinção no Brasil. É quando a classificação aponta que o risco é "muito alto" de que desapareça da natureza. Eles vivem, em média, dois anos e podem chegar a 24 centímetros e 315 gramas de peso.
O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Thales Renato Ochotorena Freitas, que pesquisa as diferentes espécies de tuco-tuco há 30 anos, explica que o das dunas sofre com a construção de condomínios nas proximidades da beira da praia, o pisoteio humano das suas galerias, a retirada da faixa de areia de algumas praias, e a ação de animais domésticos, como cães e gatos. Ele confirma que o animal não costuma sair muito de suas galerias.
— Como são subterrâneos, vivem debaixo da terra, eles só aparecem de vez em quando, para fazer limpeza na toca e capturar vegetais para se alimentar. Eles são herbívoros, comem capim e algumas ervas que ocorrem nas dunas, então vão lá, coletam as plantas e levam para as tocas — detalhou.
A espécie é endêmica do Rio Grande do Sul, ou seja, só existe aqui. De acordo com o professor, esse é um dos motivos de o tuco-tuco das dunas aparecer nas listas de classificação de risco. O pesquisador pondera que, apesar de sofrer por vários fatores causados por humanos, o animal ainda existe em "bom número", especialmente em áreas mais afastadas, mas a mudança dos pontos das dunas também o atrapalha:
— Ao mesmo tempo, a expansão imobiliária, mesmo que não retire a totalidade das dunas, a deixa muito estreita. Em alguns pontos do litoral, não tem mais a presença do bicho, como em Imbé, na área do calçadão, onde a duna foi retirada. Essa fragmentação (de dunas) pode causar um problema genético futuro, ou seja, os bichos não conseguem cruzar com populações que estão mais adiante.
O pesquisador, que é doutor em genética, diz que o animal é inofensivo para humanos:
— Eles não transmitem doença nenhuma para nós. Eles têm os parasitas deles. Ao mesmo tempo, o pessoal reclama muito dos buracos, mas precisam aprender a conviver com uma espécie que há 12 mil anos chegou aqui. A gente chega lá e destrói tudo isso rapidamente? É algo complicado.
Projeto da UFRGS acompanha o animal
Além do roedor que vive nas dunas, o Rio Grande do Sul tem outras duas espécies de tuco-tucos que são exclusivas do Estado. O tuco-tuco do Lami (Ctenomys lami), que ocorre entre Santo Antônio da Patrulha, Viamão e o extremo Sul de Porto Alegre, e o que vive nas áreas próximas do Rio Ibicuí (Ctenomys ibicuiensis).
Há ainda outras duas espécies que estão presentes no Estado e em terras vizinhas, caso do Ctenomys minutus, que vive em camadas mais profundas das dunas do extremo norte do litoral gaúcho e parte das praias catarinenses, chegando a coabitar com o das dunas, e o que ocorre na região da Campanha e é conhecido como tuco-tuco de colar (Ctenomys torquatus), também presente em alguns pontos no Uruguai. Os Estados de Mato Grosso e Rondônia também têm registros de espécies do bicho no Brasil.
A presença do animal é monitorada por um grupo permanente da UFRGS, o Projeto Tuco-Tuco. A iniciativa, que envolve mais de 10 pessoas, entre doutores, mestres, graduados e estagiários, concentra pesquisas e divulga a necessidade de preservação das espécies, bem como tenta aproximar a comunidade científica das cidades por meio de explicações a moradores e visitantes de áreas costeiras. O grupo costuma reunir relatos sobre aparição dos roedores e existe desde 1996, sendo tocado por alunos de graduação e pós-graduação na área das ciências biológicas.
No Instagram e no Facebook, a divulgação é coordenada pelas biólogas Thamara Almeida, 25 anos, e Luiza Gasparetto, 32. Em tom descontraído, as páginas mostram imagens de diferentes tuco-tucos existentes no Estado, com fotos enviadas por seguidores. Também tem ilustrações com imagens voltadas ao público infantil e didáticas sobre os problemas das ameaças à espécie.
— O nosso principal objetivo é tornar os tuco-tucos conhecidos e desmistificar ideias equivocadas, de que causam doenças ou que são pragas, em prol da sua conservação — afirmou Thamara.
Em Capão da Canoa, a preocupação com a espécie é vista em plaquinhas na beira da praia. Em uma das dunas com acesso pela Avenida Beira-Mar, próximo da Avenida Poti, uma mensagem em vermelho colocada pelo artista Thiago Barbosa avisa: "Proteja os tuco-tucos".