
"Por favor, mantenha o silêncio", diz a placa instalada entre o calçadão da Avenida Beira-Mar e as dunas, próximo da imagem de Iemanjá, em um dos pontos mais movimentados de Capão da Canoa, no litoral norte gaúcho. A indicação pede respeito ao pátio da casa de uma moradora ilustre da região, cuidada e querida por vizinhos e admirada por curiosos que se fascinam com o seu olhar amarelado, misterioso e arredio. Ali é a casa da Bu, a coruja buraqueira que possivelmente se prepara para ser mamãe.
A casa de Bu ganhou cerca e pedido de cuidado em 28 de novembro de 2020, quando o estudante de medicina veterinária Tiago Dominguez Pacheco, 27 anos, notou que a coruja havia aberto um buraco no gramado. A ação é feita pela espécie quando ela se prepara para colocar ovos e protegê-los de predadores, mas a passagem de humanos caminhando pela região costuma fazê-los quebrar. Por isso, ele reuniu amigos, comprou cerca, tinta e arranjou estacas para deixar o espaço seguro.
— Minha vizinha viu esse ninho, viu as pessoas passando quase por cima desse ninho, e me avisou. Pensei: bom, a gente tem que fazer alguma coisa — recordou o estudante.
Além da placa que pede silêncio, o terreno de Bu ganhou outros três avisos: "Agradecemos o cuidado com a natureza", "Pare, pense, a vida é bela. Dê uma chance a ela" e "Ninho de coruja buraqueira", em placas coloridas que atraem a atenção de quem passa se exercitando em caminhadas ou corridas ou de quem vai deixar uma oferenda e oração à Iemanjá.
A suspeita de Tiago é de que Bu possa ser mãe a qualquer momento, devido ao tempo transcorrido desde que ela abriu o seu buraco, aproximadamente há um mês. Como o ninho é subterrâneo, não se sabe quantos ovos são e nem se eles estão inteiros. O termômetro para saber se os filhotes nasceram é o comportamento dela: costuma ficar mais territorialista e emite sons quando as corujinhas saem dos ovos.
A expectativa do estudante está tão grande que ele passou a virada de ano preocupado com ela, devido aos fogos de artifício e ao fato de ter precisado viajar para Porto Alegre. Ao ser avisado de que ela estava em casa na manhã desta sexta-feira (1º), já que foi avistada pela equipe de reportagem de GZH, o estudante ficou aliviado:
— Que coisa boa receber essa notícia!
Essa não é a única iniciativa que busca preservar corujas em Capão da Canoa. No último verão, GZH contou que uma praça, no bairro Zona Nova, recebeu placas de moradores para avisar os demais sobre as corujas que habitam o local. Uma delas era uma buraqueira, assim como Bu.
Na oportunidade, o professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Demétrio Guadagnin explicou que essa coruja tem uma característica que a diferencia das demais.
— É a única que cava buraco no chão para a toca. E faz isso em época de reprodução, justamente no verão. As demais fazem o ninho em árvores — explicou o especialista.
O professor ainda detalhou que as corujas da espécie tem vida média de 15 anos.
Paixão por corujas vem de ninho
Além de cuidar da casa de Bu, o estudante de veterinária também está engajado em outras causas de preservação ambiental em Capão da Canoa. O sentimento de que deveria se envolver com o tema nasceu após uma grande polêmica ocorrida na cidade envolvendo corujas. No réveillon de 2007, a queima de fogos foi cancelada após ambientalistas denunciarem a proximidade de corujas do local onde o evento ocorreria. Com isso, vem um incentivo do próprio ninho.
— Me dediquei muito à preservação de Capão nesse último ano. Criei a página Qual é a Boa, Capão? para mostrar a necessidade de cuidados com a natureza. Um dos motivos é aquela questão de 2007, que a Zero Hora cobriu, e toda a polêmica. A outra é que minha mãe é apaixonada por corujas, tudo aqui em casa é temático de corujas — detalhou Pacheco.
A página criada pelo estudante já tem 15 mil seguidores e é composta por vídeos que mostram bons exemplos, além de fotos que denunciam o lixo à beira mar e a falta de iniciativas para preservar as espécies nativas do litoral gaúcho no município de maior concentração populacional da região.
Além disso, nas últimas semanas Tiago e alguns amigos recolheram diariamente quilos de lixo da faixa de areia e das dunas. Ele diz ter recebido muitos relatos de voluntários interessados em ajudar, mas devido à pandemia está fazendo a tarefa somente com os mais próximos.
Além do ninho de Bu, a iniciativa do estudante, com a ajuda do artista Thiago Barbosa, conhecido em Capão como Loko Artes, também alerta em outras placas para o cuidado de outras espécies, como os roedores em extinção tuco-tuco e os ninhos das aves piru-pirus.