Uma imensidão de água, aves de diferentes espécies e dunas praticamente intocadas estão em um cenário a 140 quilômetros de Porto Alegre. Ao longo de cinco horas, nesta semana, a equipe de GaúchaZH percorreu em duas voadeiras um pequeno oásis entre Balneário Pinhal e Cidreira, no Litoral Norte, e descreve como encarou a experiência. A área compreende três lagoas: da Rondinha, da Cidreira e da Fortaleza.
De um lado, ficam as estradas RS-786 e RS-784, em Cidreira, e RS-040, em Pinhal, distantes até quatro quilômetros. Do outro, lâminas de água que começam transparentes e vão escurecendo conforme a profundidade do local, que pode ir de 40 centímetros até 3,5 metros. No meio, cômoros de mais de 20 metros de areia fina, que, em períodos de chuva, ajudam a formar pequenas lagoas. Para quem mora na região, o espaço, que é uma área de preservação permanente e só pode ser acessado de barco ou caminhando quilômetros, é conhecido como lençóis cidreirenses.
Começo
Na companhia do empresário Roberto Porciúncula, 65 anos, há 30 morando em Cidreira e primeiro secretário de Turismo que a cidade teve, e do comerciante aposentado Diamantino Tomazi, 76 anos, há 12 vivendo lá, embarcamos em duas voadeiras. Por não saber nadar, fui orientada a usar colete salva-vidas, já que, em alguns pontos das lagoas, a profundidade pode ultrapassar três metros.
Nos dividimos em duas equipes: Porciúncula e eu em uma das embarcações, e os colegas, o repórter fotográfico Marco Favero e o motorista Ricardo Figueiredo, junto com Tomazi. Saímos por volta das 8h30min da vila náutica do Lagoa Country Club, em Cidreira.
Primeiras impressões
Em meio à Lagoa da Cidreira, o visual mudou. Florestas de pinheiros, que foram se espalhando com o vento sobre a faixa de areia, a RS-040 e a praia da Rondinha, em Balneário Pinhal, em um ponto mais distante, e à nossa frente a parada inicial, as dunas da Lagoa da Cidreira. No caminho, pássaros acompanham a nossa jornada.
Parada inicial
Depois de 10 minutos de travessia, chegamos às primeiras dunas entre as duas cidades. São menores e chamadas carinhosamente por Porciúncula de "lençoizinhos". O vento faz com que os pinheiros sigam se espalhando pela região.
Na margem, água cristalina. Mas basta darmos 10 passos, e ela muda de cor, ficando mais escura devido à profundidade de cerca de dois metros próximo à margem. O local não é aconselhado para banho.
— As dunas móveis deste ponto são menores porque não têm mais abastecimento de areia do mar em função desta plantação de pinheiros e de outras vegetações, que acabam trancando a movimentação — comenta Porciúncula.
Unidas
Na volta às voadeiras, seguimos na direção da Lagoa da Rondinha, que é a continuação da Lagoa da Cidreira. O que diferencia uma da outra, explica Porciúncula, é uma faixa de areia que avança sobre a água em um único ponto. Sem nenhuma habitação ao redor, a parte terrestre segue de areia até a praia da Rondinha e de mata quase fechada em ambos os lados. Não chegamos ao ponto dos banhistas, mas observamos à distância a movimentação na faixa de orla e na RS-040. Hora de retornar e seguir para o outro extremo: a Lagoa da Fortaleza.
O canal de travessia
Morando às margens da Cidreira, pelo menos uma vez por semana Porciúncula gosta de sair de barco e percorrer as lagoas. Isso ajuda, inclusive, na hora de encontrar o canal, quase escondido entre juncos, que leva até a Fortaleza. Para encontrá-lo, os dois moradores reduzem a velocidade das embarcações, que ficam quase lado a lado, posicionam-se em pé e observam à frente até localizá-lo.
O canal serpenteado de dois quilômetros por vezes estreita-se e só permite a passagem de uma embarcação por vez. Nas margens, bois, carneiros, cavalos e plantas aquáticas fazem parte do cenário. Pelo caminho, tanto na ida quanto na volta, pescadores solitários observam e acenam para a nossa passagem em baixa velocidade.
Hora de descer do barco
Depois de passarmos por baixo da ponte da RS-784, o canal até a Fortaleza se abre, mas tem um problema: um banco de areia diminui a profundidade da água, deixando-a próxima dos 40 centímetros. Todos descem e caminham por cerca de 50 metros arrastando os barcos. O passeio já tem quase duas horas, e a vontade é de ficar no local para se refrescar nas águas cristalinas. A questão é que faltava o principal ponto da aventura: chegar, de fato, aos chamados lençóis cidreirenses.
Imensidão na fortaleza
Depois da parada estratégica, de onde foi possível ver as hélices de aerogeradores e as dunas mais ao fundo, iniciamos a travessia da Lagoa da Fortaleza. Tomazi suspira fundo ao ver a paisagem. Porciúncula sorri sem parar: é o ponto que mais admira da região. Assim como nas duas lagoas deixadas para trás, quase não há habitantes nas margens. Existem fazendas, pequenas propriedades, plantações de arroz, a praia da Fortaleza do outro lado e as dunas móveis.
Deslumbramento
Pouco antes de desembarcarmos, Marco e Ricardo deslumbram-se com o visual.
— Já tinha caminhado em uma parte das dunas, mas nunca havia chegado até aqui. Estou sem palavras — comentou o colega Ricardo.
— É um Litoral Norte completamente diferente do que estamos acostumados a ver na orla da praia de mar — completou Marco, há um ano morando no Rio Grande do Sul.
Segundo Porciúncula, o trecho às margens da Lagoa da Fortaleza é o ponto das dunas mais intactas de Cidreira. A distância da estrada que liga a cidade a Tramandaí é de quatro quilômetros.
— Aqui não existe vegetação maior que impeça as areias que vêm do mar, do outro lado da rodovia, de abastecerem estas dunas até a lagoa. Nós temos esta riqueza, esta ideia de lençóis cidreirenses. Precisamos saber aproveitá-las de uma forma equilibrada e sustentável. É bonito ver a natureza que ainda está cuidada — orgulha-se Porciúncula.
Fôlego e calçados
Entusiasmados com a paisagem, decidimos subir a maior das dunas próximas à lagoa. No dia da expedição, ela estava com cerca de 10 metros de altura. Os nossos guias são os primeiros. Marco e Ricardo vão em seguida. Fico por último e tento subir por um lado de cerca de quatro metros de altura. Para minha surpresa, as pernas afundam até o joelho. É preciso um esforço maior para chegar ao topo. Ao final, preciso de pelo menos cinco fortes respiradas profundas para retomar o fôlego.
O que não contávamos era com o aquecimento da areia na parte mais alta, por volta das 11h. Bastavam as nuvens darem espaço ao sol, para o terreno se tornar uma churrasqueira a céu aberto. Decidimos caminhar sem calçados. Na minha segunda passada, senti queimar a sola do pé direito. Dei um pulo, gritei de dor e corri para a parte contrária da duna, onde o sol não chegava. Enfiei os dois pés bem fundo na areia até encontrar uma parte menos quente. Alívio imediato. E chinelos para seguir.
Transparência
A transparência da água está relacionada, entre outros fatores, com a profundidade, segundo o Atlas Socioambiental dos Municípios de Cidreira, Balneário Pinhal e Palmares do Sul, elaborado por professores e pesquisadores da Universidade de Caxias do Sul (UCS). A situação ocorre especialmente no caso das lagoas costeiras expostas aos ventos contínuos Nordeste e Sul. Das três lagoas visitadas, a da Fortaleza tem quase duas vezes menos transparência do que a da Cidreira e a da Rondinha, por ser mais rasa e, assim, mais propensa ao processo de erosão.
Paraíso preservado
Tomazi, que optou por deixar a região urbana para viver em meio à natureza, não se arrepende e resume o sentimento dos vizinhos:
— Isso aqui é muito bom. Um ambiente que é uma tranquilidade. Aqui tu deita e dorme mesmo. Só acorda com o barulho dos pássaros. Este é o meu paraíso para moradia.
Som do silêncio
Se não fossem os pássaros e a marola da lagoa, não haveria outros sons no entorno da Fortaleza. Por alguns minutos, os cinco permaneceram em silêncio apenas para contemplação. Sensação de sermos apenas, e realmente, um grão de areia na imensidão da natureza.
Retorno
Na hora de voltarmos pelo mesmo caminho, não conseguimos resistir à parada para um banho de lagoa no encontro da Fortaleza com o canal que a une à da Cidreira. Foi a última lembrança dos lençóis cidreirenses, apelido que fez jus às belezas encontradas.
Como chegar
De barco
- Pela praia da Rondinha, em Balneário Pinhal – Às margens do km 92 da RS-040, a dois quilômetros do centro do Balneário Pinhal. Há uma placa na rodovia indicando a lagoa.
- Pela praia da Fortaleza – Fica a três quilômetros do centro da cidade, com acesso no km 2 da RS-784.
- Pelo canal (cuidado, tem trechos com mais de três metros de profundidade já na margem) sobre a ponte da RS-784.
- O Lagoa Country Club mantém uma vila náutica na Lagoa da Cidreira, de onde os associados partem de barco, de stand-up e voadeiras. Para quem não é associado, é exigido consumo no restaurante do local.
A pé
- Por ser área de preservação, não há autorização para fazer trilhas de veículos pelo local.
- O melhor caminho é pela RS-786, que liga Cidreira a Tramandaí. Mas é preciso caminhar até quatro quilômetros, subindo e descendo cômoros de areia que podem ultrapassar os 20 metros. Não é aconselhado caminhar sem calçados ou em dias ensolarados, entre 10h e 16h.