
Mais de cem abordagens foram realizadas por agentes de fiscalização da prefeitura de Capão da Canoa, no Litoral Norte, no primeiro final de semana de validade do decreto que proíbe a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas e substâncias psicoativas em um trecho do calçadão da Avenida Beira-Mar. A medida passou a valer no último sábado (9), horas depois de ocorrerem brigas e de um letreiro com o nome da praia e placas de sinalização serem vandalizados.
Cinco vendedores ambulantes também receberam um alerta dos funcionários da administração municipal. Enquanto a medida vem provocando discussão e polêmica entre moradores e veranistas de Capão, GaúchaZH consultou algumas das prefeituras das principais praias do Litoral Norte para saber se já existe ou se há o intento de adotar medida semelhante. Professor da Unisinos, Ronaldo Gatti de Albuquerque é contra o decreto.
Em Imbé, está em vigor, desde o início da temporada, o bloqueio parcial da Avenida Beira-Mar, entre a Rua Taquara e a Avenida Garibaldi, no Centro, das 20h de sábado até as 7h de domingo. Apenas a circulação de pedestres é permitida no trecho. A assessoria de imprensa da prefeitura informou, em nota, que "a medida diminuiu consideravelmente as queixas de moradores e veranistas do entorno quanto ao som alto e gritaria naquele ponto. Por esta razão, não se fez necessário adotar qualquer medida relacionada à proibição de bebidas alcoólicas". O bloqueio deve se estender até o Carnaval.
Tramandaí informou que o tema nunca esteve e não está na pauta. Em Cidreira, não há informação de que venha a ocorrer algo parecido, mas a prefeitura destaca que, por solicitação de comerciantes, foram instaladas, em dezembro, placas pela Avenida Mostardeiro e pelo Calçadão Kanitã, à beira-mar, alertando sobre a proibição do uso de som automotivo em alto volume, em conformidade com o Código de Trânsito Brasileiro.
A diretoria de Comunicação e Marketing da prefeitura de Torres informou que não acontecem, na cidade, problemas como os verificados em Capão da Canoa, mesmo em períodos de maior concentração de veranistas.
Já em Xangri-Lá, há um decreto da prefeitura que impede o consumo de bebidas alcoólicas no centrinho da Praia de Atlântida. A lei foi publicada pela primeira vez em 2017 e atualizada em dezembro de 2018. O texto impede a venda de bebidas por comerciantes que não possuam um local próprio para que os clientes fiquem. A lei também obriga todos os estabelecimentos a fechar às 3h nas quintas, sextas, sábados, domingos e feriados. O comércio de bebidas por também ambulantes é proibido. A avaliação do Executivo é de que, após a publicações das leis, reduziram as reclamações dos moradores.
Assunto domina as rodas de conversa na cidade
A medida adotada pela prefeitura de Capão da Canoa virou um dos principais assuntos da cidade durante os últimos dias. Há quem entenda como positivo o decreto do prefeito e quem acredite que não dará resultados.
Uruguaio, o engenheiro Nelson Etchart, 49 anos, que passeava ontem com a esposa e os três filhos pelo calçadão, diz que a iniciativa mexe com o hábito dos turistas:
— É algo típico para nós, turistas, vir na praia ou no calçadão, tomar uma caipirinha, uma bebida local. Por isso, me surpreende esta lei. Mas todas as coisas em excesso fazem mal, e é preciso ter controle disso.
Morador de Selbach, no noroeste do Estado, o comerciante Alcides Colling, 53 anos, que deixava a praia com bolsas térmicas, entende que o decreto é controverso:
— Na minha opinião, a prefeitura está errada. Quem faz arruaça é uma meia dúzia, que já não dá importância para as leis. O pessoal decente não faz isso. E pela lei, se atravessar a rua ou estiver na praia, ele pode beber.
Subgerente de uma farmácia, Marco Antônio de Souza, 27, caminhava calmamente na tarde desta segunda tomando sua cerveja em uma garrafa pelo calçadão. Para ele, a lei pode reduzir os problemas no trecho, especialmente aos finais de semana. Ainda assim, diz que não pretende mudar sua rotina e que vai consumir bebidas moderadamente no trecho se tiver vontade.
— Sempre teve sujeira em dias de festa. Mesmo que eu não esteja dando exemplo, sequer sabia da existência da lei, mas torço para que dê resultado. A iniciativa é muito boa e creio que pode estar minimizando possíveis estragos ao patrimônio público. Mas eu não me sinto ameaçado e não vou mudar minha rotina. Essa lei é para atingir quem estraga a cidade — comenta.
Capão da Canoa conta com uma equipe de 22 fiscais municipais – 12 deles fixos e 10 temporários contratados para a alta temporada. Segundo o chefe de fiscalização da prefeitura, Hélio Telechea Filho, ainda é estudada a escala de serviço dos agentes após o decreto do prefeito, mas "todas as noites" alguém da equipe irá no local. Na tarde de domingo, a reportagem ficou por cerca de uma hora em frente ao letreiro de Capão da Canoa, um dos principais pontos do calçadão. Durante o período, constatou cinco pessoas consumindo cervejas sem serem repreendidas pelos três fiscais municipais que caminhavam pelo trecho. Nenhuma delas parecia estar alterada.
Ainda assim, o chefe de fiscalização da prefeitura diz que as pessoas não poderiam beber no local e que, se os fiscais as flagrassem, elas seriam orientadas a parar.
Psiquiatra apoia medida para combater consumo por adolescentes
Para o psiquiatra especialista em dependência química Sérgio de Paula Ramos, a medida é uma "tímida entrada no mundo civilizado". Ele lembra que em outros países, como nos Estados Unidos, há leis que proíbem o consumo de álcool em via pública, e entende que elas desestimulam a ingestão por outras pessoas.
— Em muitos países, se resolveu essa questão proibindo o consumo de bebidas alcoólicas publicamente em todo o território. O beber em público aumenta a violência, aumenta os acidentes de trânsito e gera maus exemplos — alerta.
Para o médico, a decisão da prefeitura, ainda que em um trecho de apenas 700 metros, é essencial para os adolescentes. Ele lembra que o consumo de álcool por jovens é fator de risco para o início de uso de outras drogas e para o desenvolvimento futuro de alcoolismo.
O psiquiatra é defensor da proibição em todo o Brasil. Em sua avaliação, na medida em que é criado um espaço social com menos estímulo para beber, menos jovens terão desejo pelo álcool ou isso se criará mais tarde, reduzindo a probabilidade de se tornar um dependente.
Faixa de interdição concentra brigas, diz prefeitura
A área do calçadão de Capão da Canoa mencionada no decreto municipal de número 37 está compreendida entre as avenidas Poti e Flávio Boianovski. De acordo com a prefeitura, essa faixa concentra o maior número de ocorrências de brigas, baderna, depredação do patrimônio público e descarte de lixo.
Quiosques costumam operar até por volta de 19h30min. Segundo Raphael Ayub, secretário de administração da prefeitura, esse tipo de comércio continua autorizado a funcionar. O que muda é que, agora, estão sendo abordados pelos fiscais grupos de pessoas que estiverem promovendo balbúrdia e portando caixas contendo bebida de álcool.
Se os advertidos não cumprirem o que for solicitado, a Brigada Militar será acionada para levá-los até a delegacia, onde assinarão um termo circunstanciado de ocorrência. No caso de se tratar de um menor de idade, o Conselho Tutelar será acionado. Nos dois primeiros dias de fiscalização, não houve nenhum caso de resistência, e os ambulantes interpelados pelos agentes se retiraram do local.
— O nosso objetivo é coibir o excesso. Não queremos que o nosso calçadão, no qual investimos mais de R$ 2 milhões nos últimos 24 meses, venha a ser alvo de depredação como na madrugada de sexta para sábado — declarou Ayub. — Vamos gastar agora um dinheiro que não precisaria ser gasto — ressaltou.
Embora a redação do decreto mencione a proibição do consumo de álcool, haverá uma margem de tolerância. Os agentes estão orientados a abordar quem demonstrar ter bebido exageradamente. Ayub admite que o critério pode ser um tanto subjetivo:
— Vai depender do bom senso da fiscalização e do policial militar.
Para o Carnaval, no início de março, a prefeitura está estudando uma medida para possível flexibilização da norma que acaba de ser adotada. Uma das possibilidades é liberar a comercialização e a ingestão de bebidas alcoólicas nos arredores do Largo do Baronda e proibi-las nas demais áreas, conforme o secretário de administração.