A crise de talentos no Rio Grande do Sul e as soluções para superar a falta de mão de obra no mercado atual foram tema do Tá Na Mesa, tradicional reunião-almoço com empresários promovida pela Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), desta quarta-feira (8).
O evento teve como painelistas o economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA), Oscar Frank; o empresário e responsável pela área de novas conexões do Projeto Pescar, Marcelo Menna Barreto; e a presidente da Associação Comercial e Industrial (ACI) de Encantado e conselheira da SOS Habitar Vale do Taquari, Raquel Cadore.
Presidente da Federasul, Rodrigo Costa deu início ao debate relatando que, em visitas pelo interior do Estado, tem observado a mesma queixa: falta de mão de obra qualificada, embora haja vagas abertas. O caminho aponta para uma nova onda de imigração para ocupar essas vagas, segundo Costa. É preciso, porém, encontrar soluções para fazer o jovem gaúcho “voltar a sonhar”. No evento, Costa também anunciou que o RS ganhará uma obra de arte de seis metros em homenagem aos heróis voluntários anônimos que atuaram na enchente de maio.
Em sua fala, Frank apresentou um diagnóstico da falta de trabalhadores qualificados, que figura entre os principais problemas enfrentados pela indústria gaúcha, segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) – e tem crescido desde 2021, com uma diferença de dinâmica após a pandemia. Além disso, há uma relação inversa entre a falta de trabalhadores qualificados e a taxa de desemprego: quanto menor o desemprego, maior a falta, e vice-versa.
Em coletiva de imprensa antes do evento, Frank afirmou que o Estado tem perdido talentos e não tem conseguido atrair pessoas, o que atribui a uma série de questões: desequilíbrio das finanças públicas, com poucos recursos para investir no que é essencial, como educação; suscetibilidade a questões climáticas, o que leva à necessidade de repensar a infraestrutura do Estado; e os resultados preocupantes dos índices de educação.
Frank apontou desafios a serem superados para melhorar esse cenário: em primeiro lugar, melhorar a educação básica – o RS está atrás de PR e SC nos resultados do Ideb de 2023, por exemplo. O segundo é atentar para os cursos técnicos e profissionalizantes. Das 20 profissões com mais escassez de mão de obra, muitas não exigem ensino superior, segundo Frank. Além disso, em geral, o salário de demissão supera o de admissão – e, onde isso não acontece, há indício de escassez.
Top 20 profissões com maior indício de escassez:
- Gerente de suprimentos
- Ajustador mecânico
- Supervisor de manutenção
- Biólogo
- Técnico de enfermagem (TI)
- Gerente de desenv. de sistemas
- Diretor de mídia
- Oper. de maq. p/ fabric. de couro
- Visual merchandiser
- Arquiteto de edificações
- Técnico de vendas
- Auxiliar técnico laboratorial
- Operador de máquinas de usinagem
- Diretor administrativo e financeiro
- Operação de conservação de vias
- Treinador de futebol
- Aplicador de material isolante
- Assessor de imprensa
- Supervisor de exploração pecuária
- Psicopedagogo
O terceiro desafio é rever o critério para a concessão de benefícios sociais. Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) indicou que o Bolsa Família gera maior queda da participação no mercado de trabalho em grupos vulneráveis. O quarto e último é entender as limitações impostas pela demografia. O ano de 2026 será o último com crescimento populacional no RS, que terá uma população envelhecida, com queda contínua de população em idade ativa.
— Não vai ser só um problema de falta de trabalhador qualificado, vai ser de falta de trabalhador. Cada vez menos entrantes no mercado de trabalho — alertou.
Capacitação dos jovens
Marcelo Menna Barreto apresentou como case de sucesso o Projeto Pescar, programa gratuito de formação socioprofissionalizante desenvolvido em parceria com empresas e organizações, com o objetivo de inserir jovens em situação de vulnerabilidade social no mundo do trabalho. O empresário avaliou que faltam competências aos trabalhadores:
— É importante não só qualificar as pessoas nessa falta de talento no mercado para questões técnicas, mas também é importante formar para competências comportamentais, os famosos soft skills.
Para ele, é preciso saber trabalhar em equipe, ser protagonista, resolver situações-problema – competências que, muitas vezes, são deixadas de lado.
— É possível formar talentos e diminuir a questão da defasagem de qualificação profissional por meio de inúmeras organizações do terceiro setor, como o Projeto Pescar, em parceria com empresas, organizações e entes públicos, para que, juntos, possamos transformar mais vidas. O Pescar é uma oportunidade transformadora, um divisor de águas na vida desses jovens — concluiu.
Habitação
Em sua exposição, Renata Cadore esclareceu que, em Encantado, no Vale do Taquari, o problema da falta de mão de obra, assim como o de moradias, é anterior às catástrofes – o valor dos aluguéis já estava alto, e, após as enchentes, a questão das moradias se intensificou. Muitas famílias ainda estão em abrigos públicos e com aluguel social na cidade. Todos os setores da cidade precisam de trabalhadores qualificados, e estes estão deixando o município em função da falta de moradia – as que restaram estão com valores elevados.
Renata apresentou o projeto SOS Habitar Vale do Taquari como iniciativa liderada pelo setor privado para gerenciar a construção de habitações dignas e fornecer suporte às famílias de trabalhadores, para que consigam se reorganizar e reconstruir suas casas.
O programa atenderá famílias não beneficiadas por programas sociais. As moradias, porém, não serão doadas – será cobrado um aluguel módico, de 10% do valor de mercado no primeiro ano e 20% no segundo, com o valor sendo revertido para o projeto. A ideia é que, em cinco anos, as famílias consigam se reorganizar e ir para um local próprio – caso não seja possível, poderão permanecer por mais cinco. As 95 moradias terão uma finalidade social, como buscar e reter novos profissionais, conforme Renata. A previsão da primeira entrega é no início de 2025.
— A gente acredita que tendo uma moradia digna, ou um tempo para buscar, a gente consegue atrair o trabalhador para Encantado e, principalmente, consegue com que ele fique lá, com mais tranquilidade — ressaltou.