Uma brincadeira envolvendo os pequenos tomou conta da internet nos últimos dias. Nos vídeos, populares nas redes sociais, os pais levam os filhos para uma sala ou banheiro e permitem o uso de palavrões. As crianças aproveitam o momento para falar xingamentos enquanto um celular grava a cena. Especialistas acreditam, porém, que, do ponto de vista do desenvolvimento e da segurança, esse tipo de vídeo pode ser perigoso.
A trend surgiu no início do mês de fevereiro nos Estados Unidos e, pouco tempo depois, chegou ao Brasil. No TikTok, a hashtag palavrão já coleciona milhares de vídeos com milhões de visualizações. Algumas crianças aparentam estar confusas e tímidas, enquanto outras se soltam e dizem xingamentos dignos de adultos. Os comentários se dividem entre internautas que acham os vídeos engraçados e aqueles que não gostam do conteúdo.
— É a validação de um comportamento que não é socialmente adequado. O adulto tem capacidade de entender que é apenas naquele momento que pode falar palavrão, mas para uma criança é um pai e uma mãe permitindo fazer o uso dessas palavras. Imaginar que a criança vai ter maturidade para filtrar quando usar essas palavras é colocar muita responsabilidade nela — pontua o psiquiatra de infância e adolescência e coordenador do Centro Especializado em Neurodesenvolvimento Infantil (CENI) do Hospital Moinhos de Vento, Thiago Rocha.
Na internet, alguns pais justificaram a ação. Segundo eles, a brincadeira pode ser uma forma descontraída de abordar o assunto ou, ainda, ensinar uma maneira saudável de lidar com os sentimentos ruins. Para o especialista, porém, a trend não traz nenhum benefício para o desenvolvimento da criança.
— Algumas vezes os pais confundem as lacunas das suas vidas com as dos filhos. Provavelmente esses pais gostariam de ter extravasado suas angústias dessa forma, mas eram mais controlados quando crianças. Então eles veem, na liberdade que estão oferecendo aos filhos, algo positivo. Mas existe outros jeitos de ajudar a criança a expor suas frustrações e a colocar os sentimentos para fora. Não precisa ser feito com palavrões e, muito menos, divulgado nas redes sociais — acrescenta Rocha.
Exposição da imagem da criança
A exposição das crianças pelos pais na internet é um tópico bastante debatido. Segundo a professora do Curso de Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Valéria Thiers, esse fenômeno é conhecido como sharenting. A prática, comumente motivada pela busca por engajamento ou vontade de compartilhar momentos especiais para os pais, pode ser perigosa para as crianças.
— Assim como não podemos deixar a criança sozinha em uma praça, também não podemos colocar na internet, que é uma janela para o mundo. No caso da trend do palavrão, os pais estão expondo as crianças. Vai ter gente que vai achar engraçado, mas outras podem ridicularizar. Esses vídeos vão deixar uma pegada digital que pode prejudicar a criança e os pais no futuro — defende.
Às vezes os pais erram sem saber que estão errando.
VALÉRIA THIERS
Psicóloga e professora
Valéria ressalta que é impossível ter controle do alcance de vídeos nas redes sociais, então é normal que os pais não saibam quem está consumindo esse conteúdo e como vai fazer uso dessas imagens. Alguns dos vídeos chegaram a ultrapassar a margem das 10 milhões de visualizações. Em uma praça, como a especialista exemplifica, o número de pessoas seria significativamente menor.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante o direito à preservação da imagem. Ou seja, é de responsabilidade dos pais o cuidado com a exposição desnecessária dessa criança. Para os especialistas, é importante lembrar que os pequenos não têm maturidade e conhecimento necessários para decidir se querem ser expostos ou não.
— Às vezes os pais erram sem saber que estão errando. Tem esse sentimento de querer mostrar a si a partir da imagem do filho. Mas realmente é algo que precisa ser pensado antes. É necessário refletir sobre que imagem dos filhos eles estão passando para as pessoas e qual o papel deles em proteger essa imagem — enfatiza a professora da PUCRS.
*Produção: Yasmim Girardi