- A mudança no comportamento das crianças deve ser encarada com naturalidade, pois é um momento atípico, diz psicóloga.
- A partir dos dois anos, pais podem contar aos filhos o que é o coronavírus por meio de histórias.
- Se uma série de cuidados for tomada, dá para passear na rua com os pequenos, afirma infectologista pediátrico.
- Em casa, invista em brincadeiras que exijam o desenvolvimento da motricidade e o gasto energético.
Desde a segunda quinzena de março, as aulas – tanto da rede pública quanto da privada –estão suspensas no Rio Grande do Sul. Com as crianças pequenas em casa, os pais recorrem aos mais variados artifícios, brincadeiras e brinquedos para tentar dissipar a energia dos filhos e manter uma rotina de atividades para tentar contornar as variações de humor, irritabilidade e choro.
Em meio às demandas de home office, o casal de publicitários Cristiane Lautert, 35 anos, e Fernando Fernandes, 33, moradores de Porto Alegre, se esforça para manter em atividade a pequena Clara, dois anos. Com o cancelamento das aulas e a orientação de distanciamento social, o casal viu a agitação para sair de casa aumentar, assim como as manhas e choros, diz Fernandes.
— Todos os dias passeamos no estacionamento do prédio, por uns 20 minutos, para pegar sol, mas ela pede para ir além. É de partir o coração vê-la olhando o movimento da rua pela janela. Percebi que a negociação para voltar para casa se tornou mais difícil e fazê-la parar de assistir a desenho animado também. Acredito que isso tem a ver com a fase do desenvolvimento dela, mas que foi agravado pelo contexto — afirma o publicitário, que não deixa a filha ficar próxima de outras pessoas durante o passeio na parte interna do condomínio.
Para conter a energia de Clara, o apartamento passou por transformações. Uma barraca de lençol foi montada na sala e até mesmo um balanço chegou a ser instalado para a garota se divertir. Isso resultou em uma conta no Instagram chamada pais na quarentena. Cristiane faz as pesquisas das atividades e brinquedos, enquanto Fernandes coloca a mão na massa, diz o publicitário:
— Eu sou o executor do que ela encontra. São dicas simples, mas que podem ser úteis para outros pais que, assim como nós, estão fazendo o difícil malabarismo de cumprir as pautas do trabalho e ainda dar atenção para os filhos.
Pai de um menino de três anos, o infectologista pediátrico do Hospital do Moinhos de Vento (HMV) Marcelo Scotta explica que, antes de pensar em brincadeiras a serem feitas com as crianças, é preciso entender o mecanismo de transmissão do coronavírus:
— Ele é transmitido, na maioria das vezes, quando entramos em contato com gotículas da fala, da tosse ou do espirro de uma pessoa infectada. Se estivermos a mais de um metro de outros indivíduos durante uma caminhada, a princípio, não estamos correndo risco de contaminação. Se estivermos a menos (de um metro) e entrarmos em contato com alguém infectado, as chances aumentam muito.
Pratique o distanciamento e evite tocar em brinquedos públicos
Se você pretende levar seu filho para um passeio na rua, oriente-o a não brincar, subir ou encostar nos brinquedos públicos. Esses locais são usados por inúmeras pessoas e são agentes de transmissão da covid-19, diz o especialista do HMV.
— Objetos de uso comum podem estar infetados e é muito difícil controlar o que uma criança toca ou deixa de tocar. Além disso, elas são muito sociáveis. O mais indicado é que as crianças brinquem somente com pessoas de seu convívio domiciliar ou sozinhas. Seguindo essas recomendações de cuidado a itens de uso público e distanciamento de mais de um metro, não há limitação de tempo para brincadeiras externas — explica ele.
Em relação ao uso de máscaras, ele explica que esse item é mais que bem-vindo quando o distanciamento não pode ser aplicado. Antes de ir para uma área isolada do condomínio para brincar com seu filho, por exemplo, é possível que você depare com outras quatro pessoas no elevador. Para evitar essas situações, saia de casa já usando a máscara. Mas ele faz um alerta:
— Usar máscara não é a solução para todos os problemas. Os olhos ficam descobertos e, se a criança tocar em algo infectado e coçar o olho, o ciclo da doença será iniciado.
Denise Steibel, psicóloga e doutora em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que é importante contextualizar para os pequenos os motivos dessas adaptações e os motivos pelos quais eles não podem brincar com amigos ou visitar os avós.
— Até um ano e meio, a criança não tem cognição para entender uma explicação. Entretanto, ela sente falta dos passeios, por exemplo, então dá para explicar que não se pode visitar o vovô, mas daqui a pouco isso volta a acontecer. Conforme e linguagem dela vai evoluindo, dá para acrescentar a palavra coronavírus, explicar que é um bichinho que fica no ar e machuca as pessoas etc. — pontua a especialista.
Brincadeiras são aliadas do corpo e da mente
O pátio na parte dos fundos da casa é modesto. Tem, aproximadamente, 20 metros quadrados. Contudo, essa pequena área se transforma em objeto de desejo daqueles que desejam brincar ao ar livre. Miguel Christmann, três anos, de Canoas, faz uso desse pedaço de terra todos os dias. Atualmente, a rotina do garoto está dividida em dois turnos.
De manhã, ele fica com a mãe, a publicitária Bruna Fetzer Christmann, 35 anos. Juntos, realizam brincadeiras mais lúdicas e que exigem o exercício da criatividade. Após o almoço, ela vai para o escritório para cumprir a jornada de home office. De lá, escuta o garoto e o pai Fábio Christmann, 39 anos, jogar futebol, praticar pega-pega, entre outras atividades que exigem maior fôlego.
— Procuramos manter a rotina dele. Claro que não é como era na escolinha. Contudo, praticamos a motricidade do Miguel com pinturas e desenhos e tentamos gastar um pouco de energia, na parte da tarde, para ele dormir bem durante a noite — conta.
Os passatempos externos envolvem também passeios de bicicleta, de até 15 minutos, na parte interna do condomínio, mas desde que o guri use máscara e fique distante de outras pessoas.
O infectologista pediátrico do HMV destaca a importância das atividades físicas para os pequenos.
— Ela ajuda a prevenir doenças como obesidade infantil e o diabetes, que está atrelado à obesidade. Crianças com excesso de peso tendem a ser adultos obesos e mais propensos a desenvolver diabetes, hipertensão, entre outros. Além disso, vivemos uma situação extremamente atípica. Manter, dentro do possível, uma certa normalidade das atividades pré-coronavírus é importante para a criança — observa o médico.
Irritabilidade em alta
Massinha de modelar, bola de sabão, desenhos com tinta guache. A advogada porto-alegrense Mariana Costa, 30 anos, tenta de tudo um pouco todos os dias para manter entretida Leda Albrecht, de um ano e 10 meses, mas em alguns dias o esforço da mãe não é recompensado. Ela acredita que possa ser o tédio, já que desde os oito meses a pequena estava acostumada a frequentar a escolinha.
— Agora, ela está trancada em casa comigo. Não sou pedagoga, não tenho a didática do entretenimento construtivo, está sendo bem desafiador. No começo, ela pegava o carrinho e ficava parada em frente à porta ou olhando pela janela o movimento da rua. Agora, ela parou com isso. Por outro lado, tem dias em que a Leda fica extremamente irritadiça — pontua Mariana.
Mudança de comportamento
Os pais têm observado, de maneira geral, mudança no comportamento dos filhos. Enquanto os responsáveis por Clara se veem obrigados a fazer negociações com a pequena, que se mostra resistente ao que é pedido, os pais de Leda e os de Miguel notaram picos de agitação e insubordinação com maior frequência nas crianças.
A doutora em psicologia pela UFRGS explica que os reflexos do confinamento refletem de modo diferente nos pequenos. Isso porque depende se eles moram na Capital ou no Interior, se frequentavam ou não a escola, se têm outros irmãos, entre demais fatores. O que ela destaca é que os pequenos são uma espécie de esponja do ambiente no qual estão inseridos:
— Os pais são o filtro das crianças. Se eles estão nervosos, ansiosos ou preocupados, os filhos absorvem isso e podem mudar seu comportamento. O seu desenvolvimento pode sofrer algum abalo em função deste momento atípico que vivemos, mas é preciso lembrar que a evolução da criança não é linear, mas cíclica. Então, é preciso ter um pouco de paciência.
Veja como gastar energia do seu filho
Denise afirma que alguns pequenos são mais ativos do que outros, e, nesses casos, o enclausuramento pode potencializar a agitação. Para pais que têm crianças com esse perfil, o indicado é fazer um mix das brincadeiras citadas até aqui: massinha de modelar, envolver a criança na rotina de atividades da casa, brincar de cabaninha, fazer boliche com garrafa pet ou até mesmo um enxuto circuito com atividades que envolvam pequenas corridas dentro de casa, pulos, morto-vivo, polichinelo, entre outros.
Eles não estão entendendo muito bem as coisas. Nem nós, adultos, estamos. O importante é estar pronto para acolher e flexibilizar algumas rotinas
DENISE STEIBEL
Psicóloga e doutora em psicologia pela UFRGS
A tentativa de suprir o querer dos filhos tem elevado o número de reclamações por barulho durante este período de distanciamento social, diz a presidente da Associação de Síndicos do Rio Grande do Sul (Assosíndicosrs), Mauren Gonçalves. Responsável pela administração de 10 condomínios, ela relata que as queixas de barulho e choro, comuns somente nos fins de semana e feriados, são percebidas também nos dias de semana.
— Ajo como algodão entre os cristais para explicar que isso é normal do comportamento infantil e que o momento exige paciência e tolerância. Porque, assim como nós estamos nos acostumando com essa nova rotina, os pequenos também estão. Nos casos em que o barulho é exacerbado, eu tento conversar com os pais, porque agora os apartamentos são escritórios de psicologia, advocacia etc. É preciso colaboração e empatia de todos os lados — avalia.
Crédito aos pais
Para a psicóloga, a prática da tolerância e da flexibilidade são as melhores ferramentas que os pais podem usar com eles mesmos e com os filhos. Ela destaca que o choro e a birra fazem parte do processo que vivemos:
— Eles não estão entendendo muito bem as coisas. Nem nós, adultos, estamos. O importante é estar pronto para acolher e flexibilizar algumas rotinas. Se a criança não comeu direito um dia, não há motivo para preocupação. Será preciso ligar o sinal de alerta se as quebras na rotina se tornarem algo frequente.
E ela tem um recado aos pais:
— Vocês são as pessoas mais aptas a acalmar seus filhos. São vocês que os conhecem e que têm a capacidade de tirá-los de um possível quadro de angústia.