As ações em julgamento sobre a criminalização ou não de condutas discriminatórias contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersex (LGBT+), que serão retomadas nesta quinta-feira (23) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pedem que a Corte declare o Congresso omisso em relação à homofobia e transfobia e enquadre as ofensas como crime de racismo, até que o Legislativo se pronuncie sobre o tema. É requerido, ainda, que a Corte fixe um prazo para o Congresso votar projetos de lei sobre o assunto.
Com quatro manifestações, todas a favor, e sete ministros ainda por votar, a Corte vai definir se pressionará o Congresso a legislar sobre os crimes contra LGBT+ no Brasil — e cogita-se até uma "lei temporária" do Supremo.
Confira o que deve mudar, em caso de aprovação das ações que estão sendo julgadas pelo STF:
Se o STF decidir que o Congresso deve legislar sobre o tema
O Supremo pode determinar que o Congresso Nacional avalie a criação de uma lei tornando crime atos de homofobia. A definição de quais atos seriam considerados crime e qual a pena a ser aplicada seriam estabelecidos pelos deputados e senadores.
Também é possível que o STF decida aplicar uma regra provisória para considerar a homofobia como crime mesmo antes de haver lei aprovada pelo Congresso, que valeria até o Legislativo se manifestar sobre o assunto. Até o momento, porém, os ministros manifestaram contrariedade à possibilidade de uma "lei temporária".
O que seria passível de punição
Nas ações em julgamento, Partido Popular Socialista (PPS) e Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) pedem a criminalização de todas as formas de ofensa, sejam individuais ou coletivas, além de agressões, discriminações e homicídios motivados pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, de uma pessoa.
Uma lei contra a homofobia feriria a liberdade de expressão?
Esse é um ponto controverso. Quem é contra a criminalização da homofobia ou se opõe à sua inclusão na Lei Antirrascimo argumenta que, se todos são iguais perante a lei, dar o "privilégio" de criminalizar um discurso contrário à homossexualidade seria uma agressão ao Estado democrático e a um direito fundamental.
Os favoráveis à inclusão especificamente da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero como crime defendem que qualquer pessoa pode se expressar de forma respeitosa, mas sem patrulhamento de consciência.
Como ficariam as religiões contrárias à homossexualidade?
Seguidores de algumas religiões temem que uma das possíveis consequências da criminalização da homofobia seja não ter mais liberdade de pregar contra a homossexualidade em templos, por exemplo. Com isso, entendem, teriam cerceada a liberdade de expressão por professar crenças contrárias à orientação sexual e identidade de gênero da população LGBT+. Diante das dúvidas, há quem defenda que os ministros do Supremo, caso julguem favoravelmente a ação, incluam uma ressalva na decisão para garantir a liberdade religiosa de pregar textos tradicionais, como a Bíblia.
E se o Congresso, ainda assim, não legislar sobre o tema?
A decisão do Supremo, na prática, causaria uma pressão política. Caso seja definido que o Congresso tem de fato a obrigação de legislar sobre homofobia, é possível que seja estipulada uma data limite para que uma lei que diz respeito a essa questão seja aprovada. Até o momento, porém, os ministros votantes decidiram não impor um prazo.
Se for definido um prazo e isso for ignorado, será decidido se caberá ao próprio STF considerar identidade de gênero e orientação sexual na lei que proíbe a discriminação por racismo, e se o Estado será o responsável por indenizar essas vítimas.
Como é hoje?
Homofobia e a transfobia não estão na legislação penal brasileira, ao contrário de outros tipos de preconceito, como por cor, raça, religião e procedência nacional. A criminalização da homofobia é uma das demandas mais antigas de militantes LGBT+ no Brasil.
O que defende quem acha que homofobia precisa constar na legislação como crime
Advogados que defendem a criminalização destacam a inexistência de lei no Brasil que assegure proteção adequada para a comunidade LGBT+, ressaltando que em mais de 60 países há legislação criminalizando a chamada LGBTIfobia. Thiago Gomes Viana, representante do Grupo Gay da Bahia, cita o exemplo dos Estados Unidos — reconhecidamente cristão e defensor da liberdade de expressão —, onde a norma que tipifica os crimes de ódio criminaliza delitos motivados por religião, orientação sexual e identidade de gênero.
Para Paulo Lotti, autor da ação movida pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (ABGLT), é esperado que o STF reconheça o dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar a homofobia e a transfobia, encarando-os como crime de racismo, na acepção político-social de raça.
O que defende quem acha que não deve haver lei específica contra a homofobia
Considerando que o tipo de ofensa ou agressão a homossexuais que configuraria crime já pode ser enquadrado em outros tipos de práticas criminais, há quem entenda que a homofobia não deve ser especificamente incluída na legislação penal brasileira. Os advogados Walter de Paula e Silva e Cícero Gomes Lage, em nome da Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida, consideram que há legislação suficiente para punir qualquer tipo de violência, "não sendo cabíveis quaisquer sanções criminais ou cíveis para punir a pluralidade e a livre manifestação de pensamento e ideias".
Presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), Uziel Santana também afirma que todos os casos de violência contra homossexuais podem ser enquadrados em tipos penais como homicídio, lesão corporal e difamação.
O que defende quem acha que não cabe aos ministros do STF julgar esse assunto
A questão é controversa. Câmara e Senado garantem que não estão se omitindo, mas os projetos de lei envolvendo a temática estão parados há anos nas casas.
O advogado-geral da União (AGU) André Mendonça, mesmo declarando reprovação a qualquer tipo de conduta ilícita contra a liberdade de orientação sexual, entende que somente o Congresso deve legislar sobre matéria penal. E Fernando César Cunha, advogado-geral do Senado, afirmou que o Legislativo é o Poder competente para editar e aperfeiçoar leis que tratam de Direito Penal.
Representantes dos direitos LGBT+ afirmam, porém, que a criminalização da homofobia pelo STF é necessária porque todos os projetos favoráveis à comunidade que começam a tramitar no Congresso sofrem resistências por integrantes da bancada evangélica.
Ao expressar voto favorável à criminalização, o ministro Luís Roberto Barroso declarou:
— Se o Congresso atuou, a sua vontade deve prevalecer. Se o Congresso não atuou, é legítimo que o Supremo atue para fazer valer o que está previsto na Constituição.