Em sua casa no Uruguai, Henrique cultiva plantas de sete genéticas diferentes – o que, segundo ele, significa sete cheiros, sete sabores e sete efeitos distintos. Essa é a razão para preferir o autocultivo à compra em farmácia, que só oferece duas variedades. Com a experiência, foi dominando o que ele chama de "a arte de cultivar". Aprimorou-se em podas, métricas e técnicas de germinação, que fazem a produção dobrar.
Uma nova frente de trabalho encontrada por ele foi oferecer consultoria para brasileiros decididos a mudar para o Uruguai. Henrique notou a onda migratória: recebe 400 mensagens de interessados por semana e diz conhecer ao menos uma centena de pessoas que já emigraram, quase todas dedicadas ao autocultivo.
– Se a pessoa quer marcar a entrevista para ter os documentos e viver no Uruguai, espera meses, porque há demanda represada de gente de todo o Mercosul – afirma.
Uma das pessoas que decidiram aventurar-se no Uruguai após assistir aos vídeos do canal Eu, a Maconha e uma Câmera é o chef capixaba Gustavo Colombeck, 27 anos – que conheceu Henrique em Montevidéu e hoje divide o aluguel com ele. O nicho explorado por Colombeck (sobrenome artístico que criou a partir da expressão "bolar um beck", que significa fazer um baseado) é o da culinária canábica. Desenvolveu menus completos à base de maconha – incluindo saladas, prato principal e sobremesa – e realiza jantares temáticos pelos quais cobra US$ 150 por pessoa. Vive disso.
Originário do pequeno município de Serra (ES), Colombeck diz ter cansado de ser empurrado contra a parede ou ser jogado ao chão, em abordagens policiais, por fumar maconha. Conta que se sentia um marginal. Um dia, um amigo o abordou:
– Está sem trampo? Vou te oferecer um trampo aí, para você trabalhar de ajudante de pizzaiolo.
– Demorou. Estou fazendo nada. Vou por aí – respondeu Colombeck.
O resultado é que se apaixonou pelo trabalho, virou cozinheiro e matriculou-se em um curso de gastronomia. Ia às aulas sob o efeito da erva. Um dia, o professor irritou-se:
– O que você quer da vida? O teu pai pagando, e você aqui todo dia chapado.
– Não, meu amigo, o meu pai e a minha mãe não estão pagando isso. Eu que estou pagando. Sou eu que viro noites e mais noites trabalhando e depois venho de manhã para cá. E vou te dizer por que estou aqui. Porque quero aprender gastronomia para saber onde vou colocar a cannabis.
Policial felicitou-o pela criatividade
A primeira experiência foi com brownies de maconha, seguidos de bolos, que ele vendia em uma casa de reggae e em raves. Então assistiu aos vídeos de Henrique, viu as dicas sobre como se mudar para o Uruguai e achou que não era complicado. Em abril de 2017, chamou a mãe e comunicou que estava de partida.
Em Montevidéu, investiu o dinheiro que tinha em um controlador e começou a trabalhar como DJ. Um dia, o dono do hostel onde vivia convidou-o para conhecer um clube canábico. Em meio às plantas, Colombeck sentiu que umas puxavam para o cheiro de chocolate, outras para o queijo. Ficou eufórico.
– Velho, que loucura! Isso dá para fazer comida! – disse.
– Não dá – respondeu o uruguaio.
– Dá, sim. Dá para aproveitar a folha, fazer azeite, manteiga, fazer um postre, carne de porco, peixe, frango. Dá para fazer tudo com cannabis.
Diante desse entusiasmo, o amigo deu-lhe uma quantidade de erva para os experimentos culinários. O capixaba fez manteiga com o extrato da cannabis e preparou uma fornada de alfajores. No domingo, foi para a famosa feira da Rua Tristán Narvaja, com uma placa dizendo: "Chef Colombeck/alfajores canábicos". Um policial passou, olhou os doces e felicitou-o pela criatividade. Nunca tinha visto alfajor de maconha. Colombeck vendeu todo o estoque.
Para confeccionar suas receitas, ele usa principalmente a flor da cannabis, muitas vezes transformada em manteiga ou azeite. Mas também aproveita as folhas da planta, que, segundo ele, podem substituir coentro, salsinha ou cebolinha.
– É um tempero verde, mas mais ácido, lembrando um pouco o final da rúcula. Então, dá para colocar com molho de tomate no espaguete. No caso da carne, por exemplo, uma carne de porco, posso triturá-la, colocá-la em cima de um pernil, enrolar em papel alumínio e levar ao forno a 110ºC. A erva vai infusionar, porque a carne tem grande quantidade de lipídios. Ou então pode ser um peixe, um namorado regado de azeite canábico. No final, um postre com algo simples, um sorvete com um grama só – diz.
Colombeck afirma que o efeito, em quem faz uma refeição canábica, é muito diferente de fumar a erva. Em lugar de agir em segundos no cérebro, a substância tem uma absorção lenta pelo organismo, coisa de 40 minutos. Não é algo para se comer todos os dias, alerta. Deixa a pessoa pesada, com sono.
Essa profissão, que o tornou reconhecido e requisitado, com convites para trabalhar na Europa e nos EUA, Colombeck não poderia exercer no Brasil, por questões legais. Sente inclusive que é malvisto no país natal – afirma que metade das pessoas com quem se relacionava deixou de falar com ele quando soube que está envolvido com maconha.
– Onde eu morava, a casa do lado é de um policial. Imagina como está a cabeça desse cara hoje, sabendo que sou um chef de cozinha canábico e que sou do bem. No Brasil, muitos não conseguem aceitar que sou do bem, postam nas redes sociais que tenho de morrer. Por isso, não quero voltar.