Quando o gaúcho de Novo Hamburgo Henrique Reichert, 31 anos, residente no município uruguaio de Atlântida, no Litoral, abre a porta da casa, a primeira coisa que se vê, ocupando quase toda a sala, são duas estufas onde faz um cultivo 100% dentro da lei. Um dos segredos, explica ele, é manter espécimes em diferentes estágios, porque a limitação de seis plantas prevista na legislação refere-se apenas à fase da floração – a flor é a parte do vegetal que é fumada. Henrique organizou-se para nunca ultrapassar o número máximo e também para nunca ficar sem flores, de forma a manter um abastecimento constante da erva e não depender de mais ninguém para fumá-la.
– Posso ter 200 plantas em casa, se quiser, desde que não estejam florando. Estou dentro da lei – diz.
Henrique divide esse tipo de conhecimento no canal Eu, a Maconha e uma Câmera, dedicado a mostrar a rotina de um cultivador brasileiro no Uruguai. Os vídeos acumulam 3 milhões de visualizações no YouTube, a maior parte no Brasil.
Se hoje é um youtuber célebre e um usuário para quem a maconha é tão fundamental a ponto de fazê-lo trocar de país por causa dela, seis anos atrás Henrique era um inimigo da droga. Até os 25 anos, nunca havia fumado. Originário de uma família religiosa, chegou a terminar um relacionamento porque a namorada fumava. Também ficava furioso quando os integrantes de uma banda em que tocava usavam a substância antes dos ensaios:
– Eu era totalmente contra. Defendia que a maconha mata, que acaba com os neurônios, destrói famílias.
A mudança de opinião teve como gatilho um amigo, que fazia relatos sobre como se sentia após usar. Henrique começou a pesquisar sobre o assunto. O passo seguinte foi aceitar "uns pegas". Aos poucos, virou hábito.
Diz-se que os convertidos tardios a uma fé tornam-se os devotos mais ardorosos. Aconteceu algo parecido com Henrique. Ele não se limitou a começar a fumar. Virou ativista.
Mal passara um ano desde as primeiras baforadas, estava de muda para o Uruguai. Aconteceu de forma repentina, em 2014, logo após a legalização. Henrique cursava o oitavo semestre de Pedagogia na Feevale, quase se formando, e alugava uma casa com amigos. Um dia, um deles anunciou:
– Na sexta-feira, vamos para o Uruguai. Vamos passar uma semana lá. Se gostarmos, nos mudamos.
Henrique achou que era brincadeira e não pensou mais no assunto, mas quando chegou o dia aprazado, foi acordado às 8h. O amigo estava com tudo pronto para a viagem: carro, mala, hotel reservado em Montevidéu.
– Ficamos bem no Centro. Saí, procurando um lugar para fumar, mas tinha vergonha, não sabia como era. Sentei numa praça e fumei meu primeiro baseado na rua na frente da polícia. E aí já tive certeza, no primeiro dia, que queria morar aqui. Já avisei o meu amigo que o resto da semana era só para curtir o rolê, porque não precisava mais de convencimento. Se foi difícil tomar a decisão? Sim e não. Porque quando vim para cá e conheci a legislação, já imaginei meu canal, já estava com uma ideia bem à frente. Pensei: "Pô, vou conseguir desenvolver tudo o que eu queria fazer no Brasil, só que legalizado". Eu vi a legalização no Uruguai como uma oportunidade de trabalhar com maconha.
Henrique retornou a Novo Hamburgo, entregou a casa, vendeu os móveis, trancou a faculdade, fechou sua empresa de produção cultural, fez uma festa de despedida e, passados 15 dias, estava de volta ao Uruguai, para ficar. O primeiro endereço foi uma casa em Piriápolis, alugada com um amigo gaúcho, onde plantou os primeiros pés de cannabis. O plano da dupla era abrir uma loja de produtos para cultivo, mas, passados três meses, o amigo resolveu retornar ao Brasil.
Em dezembro de 2014, Henrique transferiu-se para um hostel de Montevidéu. Tinha a roupa, um notebook e a recém-emitida autorização para residência permanente no país. Para se manter, trabalhava em um call center de entrega de comida. O cliente brasileiro pedia a refeição online, o pedido caía no computador de Henrique e ele telefonava para o restaurante correspondente no Brasil, fechando a encomenda. Em paralelo, investiu no seu canal de vídeos. Notou que não havia muito conteúdo em português sobre o cultivo de cannabis e que a produção estrangeira não apresentava grande qualidade técnica.
– Eu disse: "Pô, vou criar isso, vou ensinar a plantar maconha. Estou legalizado, tenho o registro dos meus cultivos, tenho os documentos todos. A lei não permite fazer publicidade de maconha, mas não vou fazer isso, vou passar informação. Não vou ser preso".
Desde a estreia, em janeiro de 2016, o gaúcho já publicou mais de 70 vídeos. A certa altura, com o dinheiro de anunciantes entrando, deixou de depender de trabalhos paralelos. Hoje, consegue viver só da maconha.
Problemas, só quando voltou ao Brasil em visita. Na primeira vez, no Réveillon de 2015, foi surpreendido pela polícia enquanto fumava com um grupo de amigos em um posto de gasolina à margem da BR-116. Estava com dois baseados no bolso e atirou-os para um matagal. O policial percebeu.
– De quem é a droga? – pressionou.
Henrique entrou no mato, apanhou os cigarros e assinou um termo circunstanciado.
Na segunda vez, em 2016, foi apanhado com 25 gramas de maconha. Ele e o irmão tinham passado algum tempo visitando bancos, para saber a melhor maneira de fazer uma operação, e aparentemente despertaram suspeita. Quando estavam a ponto de embarcar em um ônibus, foram abordados.
– Os caras vieram direto em nós, dizendo: "Cadê a arma? Mão na cabeça!". Um policial mexeu na mochila e achou a maconha. Ele era religioso. Aí começou a resenha. Disse que os missionários dele estavam no Uruguai, que iam tirar a gente disso. Levou a maconha – relata Henrique.