Talvez nenhum brasileiro emigrado no Uruguai esteja desenvolvendo tantos empreendimentos canábicos quanto o paranaense Jonas Rossatto, 29 anos. Uma manhã, em um café do bairro Pocitos, ele abriu o notebook e apresentou seus múltiplos projetos, dos quais o carro-chefe é o Smoke Bud, dito o maior portal de notícias de maconha do Brasil. Também mantém, desde Montevidéu, o LegalizeJá (site de venda de 1,6 mil produtos relacionados ao mundo canábico, que ele define como "o Submarino da maconha"), o BudMaps (aplicativo que funciona como uma espécie de Google Maps, mas voltado a indicar onde há, por perto, advogados que defendem usuários e cultivadores, médicos que receitam maconha medicinal, farmácias que vendem a erva, pontos de encontro de maconheiros, laricarias, coletivos e ONGs voltados ao tema, bem como lojas, bares e eventos associados à cultura canábica) e o Aquelas (publicação online com fotos sensuais de mulheres "fumando um" e textos voltados ao público feminino).
– É uma revista com maconheiras assumidas. O estigma de fumar maconha é muito maior para a mulher, tem muito machismo. A ideia é tirar a mulher do armário – defende Jonas.
Recentemente, ele também criou um clube de assinaturas chamado Canabista, voltado ao público brasileiro. O cliente escolhe um plano, paga uma mensalidade e recebe pelo correio, todo mês, um pacote com acessórios como piteiras, sedas para enrolar baseados, bongs, manuais explicativos, brindes, sempre com a ideia de oferecer produtos de qualidade, de marcas sofisticadas, com enfoque na redução de danos. Lançado em outubro, o clube já tem 400 assinantes. Segundo Jonas, o objetivo é "gourmetizar" a maconha:
– O maconheiro fuma qualquer coisa em qualquer lugar com qualquer papel. Queremos que vire canabista.
Nos últimos tempos, de olho na curiosidade que o Uruguai despertou, está investindo também no terreno delicado do turismo canábico, visto com desconfiança pelas autoridades uruguaias. No começo de 2017, o governo local foi surpreendido com uma reportagem do jornal argentino La Nación, sob o título Clubes Canábicos: Uruguai Aposta em Tours e Colheitas para Estrangeiros. O texto falava de um clube de cultivo de Punta del Este que estava abrindo as portas para turistas. O governo reafirmou que essas entidades estavam proibidas de dar acesso a não sócios e denunciou à Justiça os responsáveis pelo caso.
Por causa desse histórico, quem trabalha com o turismo da maconha cerca-se de cuidados. GaúchaZH acompanhou uma demonstração de um dos tours oferecidos pela empresa de Jonas, que teve como guia um nicaraguense de 47 anos tido como ás do cultivo (ele pediu para não ter o nome publicado). Anteriormente morador dos EUA, onde começou a cultivar há mais de duas décadas, transferiu-se para o Uruguai três anos atrás, atraído pela ideia de empreender no primeiro país onde toda a cadeia da cannabis é legalizada. Nos tours, 60% dos clientes dele são visitantes brasileiros. Também presta consultoria a clubes de cultivo que surgiram ao abrigo da lei e que não dispunham de conhecimento para a produção de alta qualidade.
– Este é o país mais livre em que já vivi. No Uruguai, trabalho no que amo. Sou um profissional da marijuana.
É só trabalhar dentro do marco jurídico que não há problema – diz.
O tour começa em um segundo andar da Cidade Velha, onde o nicaraguense apresenta como funciona o modelo uruguaio. Após meia hora de explanações, ele conduz o grupo em direção a uma head shop (loja especializada em venda de produtos usados para consumo da maconha) na Avenida 18 de Julio, explicando a finalidade dos mais diversos acessórios. Na sequência, sobe por uma escadinha até o andar superior da loja, para uma sala envidraçada. Ali, visível para quem passa na mais movimentada das vias montevideanas, oferece uma demonstração de como extrair a resina da cannabis.
Começa por preencher uma pequena bolsa com a flor, que depois é levada a uma prensa. Submetida a pressão e temperatura elevada, a flor solta uma espécie de azeite que é puro THC, o princípio ativo da planta. Em seguida, o nicaraguense permite aos participantes do tour que aspirem a fumaça dessa resina (como não está vendendo, mas oferecendo do cultivo próprio, não se considera que esteja infringindo a legislação). Essa forma de consumo é tida como menos maléfica à saúde, por não envolver um cigarro.
Para o nicaraguense, oferecer uma experiência menos prejudicial com a droga é uma contribuição:
– Acredito que, quando há boa maconha, há menos usuários de drogas mais daninhas, como cocaína e cigarro.
Os sonhos de Jonas
Jonas, que se mudou em dezembro para o Uruguai, já tinha experiência anterior como exilado da maconha. Em 2009, a Suprema Corte argentina considerou inconstitucional penalizar alguém por ter drogas para uso pessoal, no chamado Fallo Arriola, e Jonas foi-se a Buenos Aires para plantar cannabis. Cultivou 90 plantas até voltar ao Brasil, três anos depois.
– Fui para lá realizar meus sonhos... Realizei-os e voltei – diz.
Com a legalização da erva no Uruguai, o paranaense achou que era hora de emigrar de novo.
– Posso bolar um aqui agora. E de fato vou fazer isso – disse, em um café de Pocitos, abrindo a mochila e começando a preparar um cigarro.
– O que estou fazendo aqui você pode fazer num Burger King, num Subway, em qualquer lugar. E as pessoas fazem mesmo, porque ninguém olha mais.
Jonas lembra o episódio em que, nos primeiros dias de residência no Uruguai, fumava um baseado na rua quando cruzou por dois policiais. Tendo vivido 20 anos sob um regime de proibição, teve a reação automática de virar para o outro lado e esconder o cigarro. Os policiais começaram a rir.
– Brasileiro, né? – disse um deles.
Hoje, Jonas já não tem essa reação.
Outro motivo da mudança para o Uruguai foram, claro, os negócios. No Brasil, se a polícia entrasse no apartamento dele e encontrasse maconha e visse a parafernália canábica que ele mantinha, para venda pela internet, poderia acusá-lo de tráfico e apreender o estoque.
A terceira razão para emigrar é de cunho político. Segundo Jonas, o que os proibicionistas mais querem é que o experimento uruguaio dê errado, e ele entende que algumas das pessoas que foram ao Uruguai por causa da maconha assumem uma atitude que pode colaborar para esse fracasso – vendendo a ideia de que qualquer um pode ter acesso à droga, de que tudo é muito fácil, de que não há necessidade de respeitar nada. Assume como missão combater essa visão. Além disso, entende que empreender no ramo é uma oportunidade de mostrar que a maconha pode gerar empregos e impostos. Se isso acontecer, está convencido, outros países vão seguir o exemplo uruguaio.
– Como ativista, já não estou naquele momento de gritar, brigar, ser fervoroso. Como é que posso fazer o Brasil e a América Latina entenderem o poder da legalização e da regulamentação? Com números. E como posso provar isso com números? Com dinheiro. É o dinheiro que muda as leis. Não importa o discurso. Quando a maconha gerar impostos, a situação se transforma. Quando o governo vier falar comigo sobre o turismo canábico, quero poder dizer: "Gerei tal valor em turismo".
Um par de horas depois, Jonas almoçava um bife de chorizo no tradicional Mercado del Puerto, um dos mais movimentados cartões postais de Montevidéu. Após terminar a refeição, começou a enrolar um novo cigarro, bem no meio do prédio, em uma área elevada do restaurante, uma espécie de mezanino. A garçonete aproximou-se e disse algo. Jonas não entendeu bem, achou que ela estivesse protestando contra a atitude dele.
O brasileiro juntou suas coisas, ergueu-se da mesa e desceu. Na parte de baixo, a gerente explicou que a funcionária, na verdade, estava pedindo que ele deixasse o baseado de presente.
– Existe um ditado: água, internet e maconha não se nega para ninguém – sentenciou Jonas.
Entregou então o cigarro à gerente, que anunciou o mimo à garçonete.