A frase se tornou tão lugar-comum que já nem mais prestamos atenção a ela. "Você ainda é meu melhor amigo", se derrete Michelle Obama para Barack Obama na postagem do Instagram após a comemoração das bodas de prata.
É usual também em cerimônias de premiação, como quando Justin Timberlake disse, há pouco tempo: "Quero agradecer minha melhor amiga, minha parceira favorita, minha mulher, Jessica." É presença garantida em sites de ajuda, onde os autores escrevem artigos sobre como "nutrir a amizade" pelo cônjuge.
Como os mortos-vivos – aí está outro paradoxo –, o cônjuge-amigo está em todo lugar à nossa volta. Talvez seja por causa da atenção maior dedicada à amizade nas redes sociais; ou o declínio do número de verdadeiros amigos nas nossas vidas; quem sabe seja porque todos agora temos acesso a declarações públicas de relacionamentos que antes eram privados. Qualquer que seja o motivo, referir-se ao esposo(a) como melhor amigo, chapa ou #BFF, virou clichê.
De fato, chavão tão grande que gerou até retaliação. "Por que seu cônjuge não deve ser seu melhor amigo(a)", declara um blog de conselhos matrimoniais.
O que vale então? Considerar a cara-metade seu melhor amigo é um sinal de intimidade ganha a duras penas, apego e confiança? Ou de que vocês se envolveram tão profundamente na logística do dia a dia e do gerenciamento das atividades que desistiram da atração sexual, da paixão e dos jogos eróticos? O casamento se tornou pouco mais que uma amizade com benefícios?
A questão envolve até pesquisa. John Helliwell é professor da Faculdade de Economia de Vancouver e editor do Relatório Mundial de Felicidade. Analisando as conexões sociais alguns anos atrás, ele descobriu que todo mundo se beneficia das amizades virtuais e as reais, mas são só essas últimas que aumentam o grau de satisfação de alguém em relação à vida.
"Mas embora o efeito das amizades no bem-estar seja importante para todos, ele é menor para os casados que para os solteiros. Daí então surgiu a ideia de que o casamento é algum tipo de superamizade."
Helliwell e um colega descobriram que um estudo feito durante um longo tempo, na Grã-Bretanha, tinha dados que esclareciam essa questão. De 1991 a 2009, o British Household Panel Survey pediu a trinta mil pessoas que quantificassem sua satisfação com a vida. Ele conta que, no geral, os casados se mostraram mais satisfeitos e gerenciaram melhor a depressão inevitável que a maioria enfrenta na meia-idade devido ao estresse profissional, o cuidado com os pais idosos e outras pressões.
Uma parte completamente separada do estudo perguntava às pessoas quem era seu melhor amigo – e quem disse que era o cônjuge tinha o dobro de probabilidades de demonstrar uma satisfação maior.
— Um número um pouco maior de homens que de mulheres fez essa escolha, o que faz sentido, já que eles, em geral, têm menos amigos.
Sentir-se assim em relação ao esposo(a) é essencial para um bom casamento?, perguntei eu.
— Claro que não, em absoluto. Os benefícios do casamento são grandes mesmo para aqueles que têm milhares de amigos, mas são ainda maiores para os que consideram o cônjuge o melhor amigo. Na verdade, é um bônus — explica Helliwell.
Nem todo mundo tem tanta certeza.
Amir Levine é psiquiatra e neurocientista da Universidade Columbia e um dos autores de Attached. Estudioso das relações sociais, ele explica que todo mundo tem o que chama de "hierarquia de vínculo", ou seja, se algo ruim acontecer conosco, temos uma lista de prioridades de pessoas para quem ligar. Nas primeiras décadas de vida, geralmente os que estão no topo da lista são os pais ou outros membros da família.
— O problema quando você vai ficando mais velho é: como permitir que um estranho se aproxime? Aí a natureza inventou um truque: a atração. A afinidade sexual derruba todo tipo de barreira e permite que você chegue perto de uma pessoa nova em termos físicos de forma que não acontece com a família.
Com o tempo, é claro, essa atração vai diminuindo – e enquanto muita gente lamenta o fato, Levine comemora.
— É inteligente. Se você vai ficar alucinado pela outra pessoa o tempo todo, como vai criar os filhos? Como vai conseguir trabalhar?
E em vez de reclamar, devemos encarar essa nova fase como uma conquista. "Tá, agora tem essa pessoa a quem estou ligado. E com isso, me sinto seguro, me permite voltar a ser um indivíduo novamente, voltar a ser real."
De acordo com Levine, é essa sensação de segurança que nos leva a descrever nossos cônjuges como "amigos".
— Mas este não é o termo correto; primeiro que os casais precisam manter o que eu chamo de "sexo de manutenção" para restabelecer a proximidade física e renovar esse vínculo. Segundo, o termo "amizade" não chega nem perto de representar o que acontece ali. O que as pessoas basicamente querem dizer é que estão em uma relação segura, que ficar ao lado do parceiro é extremamente gratificante, que confiam nele e que sabem contar com o outro a ponto de ganhar coragem para criar, explorar, usar a imaginação.
Levine resume o sentimento com a sigla CARRP (em inglês). Apesar de um tanto estranha, confirma que seu parceiro é constante, disponível, receptivo, confiável e previsível. Mas já não temos a palavra "esposo(a)" para descrever tudo isso?, pergunto. Por que de repente passamos a usar a expressão "melhor amigo" se ela não é nem um pouco adequada?
— Porque não é todo esposo(a) que é assim. E com isso também indicamos que estamos conscientes e apreciamos a relação. O que talvez deveríamos dizer é "cônjuge seguro".
Há um outro problema em chamar o marido ou a mulher de melhor amigo: as palavras significam coisas totalmente diferentes.
Peter Pearson e Ellyn Bader são fundadores do Instituto de Casais em Menlo Park, na Califórnia, e autores de Tell Me No Lies. Além disso, são casados há mais de trinta anos. Para Pearson, há uma diferença crucial entre um melhor amigo e um cônjuge.
— Um dos critérios para ser melhor amigo é a aceitação incondicional. Eu vou lá ligar se o Mark bagunça a cozinha, deixa o banheiro em petição de miséria e sonega imposto? Já com o cônjuge, não dá para evitar esses temas.
Bader diz que quando os casais estão se conhecendo, geralmente dizem que são companheiros – o que, para ela, é natural. Quando um casal está junto há trinta, 40, 50 anos, usa uma linguagem semelhante, o que pode ser símbolo de um relacionamento saudável.
— São os que ficam no meio termo, os que usam a linguagem da amizade, que fazem meu estômago revirar. É sinal de alerta para a prevenção de conflitos, a fuga da intensidade. Geralmente significa que a pessoa desistiu da complexidade de estar ao lado de alguém. É como se dissesse "Ah, bom, é assim que ele(a) é", como se não quisesse mais tentar.
E prossegue, dizendo que gostaria que as revistas populares desmistificassem a ideia de que não se deve casar para mudar a outra pessoa.
— Acho que casamento é isso. É daí que vem o tempero, de onde você consegue tirar o melhor da pessoa com quem se casou. Em um bom casamento, um cutuca o outro, desafia o outro, encoraja o outro e, sim, por que não, muda o outro.
Quando pergunto se os dois são bons amigos, eles riem.
— Somos sim — responde Pearson. — Muito bons amigos. Ele tem muitas coisas que o meu melhor amigo não tem, mas a recíproca também é verdadeira — diz ela.
E talvez seja essa a questão: chamar a pessoa com quem se é casado de melhor amigo talvez queira dizer que você na verdade gosta do seu marido/mulher e que os dois compartilham uma história, a vida e os sonhos. E, no fim das contas, a expressão não faz justiça ao significado amplo do casamento, nem do da amizade – afinal, se seu cônjuge é seu melhor amigo, com quem vai chorar as pitangas sobre ele?
Por Bruce Feiler