Podemos perder um amigo por culpa dele (os outros não são perfeitos) ou por culpa nossa (temo que, talvez, também não sejamos) ou os perdemos sem saber por quê. Qualquer perda é dolorosa, ainda mais porque a conquista de um amigo dá trabalho e exige cuidados e delicadeza para protegê-lo sem sufocar, manter-se disponível sem se oferecer, provê-lo regado de afeto para que não desidrate e de esperança verdadeira para que não desista ou morra. Além disso, há de se ter muito cuidado com as críticas, porque amigo não é o que só aplaude, mas aquele que, quando critica, sempre acerta na hora e na dose.
Por mais próximos que nos sintamos de alguém, é importante não esquecer que amizade exige respeito, não aquele que intimida e afasta, mas o que aproxima e enternece. É tão árduo lograr a espontaneidade na construção da amizade que, quando ela se desfaz por alguma desinteligência ou mal entendido, ficamos desconfortáveis por tempo indeterminado, com direito a agudizações, quando uma circunstância qualquer restabelece uma conexão na memória – esse lugar misterioso onde repousam as coisas boas de lembrar e algumas ótimas de esquecer.
Existem relações ásperas que, enquanto duram, machucam, nos intervalos latejam e, quando finalmente terminam, mesmo constrangidos pelo tempo de afeto desperdiçado, não conseguimos dissimular um alívio libertador.
A cumplicidade no silêncio é, certamente, um dos sinais mais seguros de solidez na amizade
J.J. Camargo
Infelizmente, as lembranças desagradáveis, tal como os perfumes de segunda categoria, têm fixadores mais fortes e permanecem atazanando por mais tempo do que seria um castigo merecido. Elas estarão sempre de prontidão para ocupar o sono interrompido naquelas madrugadas inquietas em que dobramos o travesseiro só para descobrir que é melhor baixo do que alto demais.
Outras vezes, somos vítimas de conflitos bobos, mas que podem resultar em estragos afetivos irreparáveis se nenhuma das partes tiver a iniciativa salvadora da reconciliação precoce, e então o desconforto, sustentado pela distância forçada, acaba dando tempo ao rancor que, cozido a fogo lento, pode multiplicar-se até o dane-se, com constrangidos desejos de morte.
Conheci irmãos que se odiaram pela vida toda e, quando reunidos pela perda de um dos pais, se deram conta, envergonhados, de que nenhum dos dois lembrava mais o motivo da briga.
Alguns amigos são protagonistas ruidosos, e outros calados (meus prediletos), com quem já testamos a intensidade da amizade, pelos longos silêncios compartilhados, sem que nenhum dos dois sentisse necessidade de dizer coisa alguma.
A cumplicidade no silêncio é, certamente, um dos sinais mais seguros de solidez na amizade. Por quê? Porque, na falta de convicção e confiança, tagarelamos. E alguém que não tem convicção e não inspira confiança nem sei por que foi citado nesta crônica.