Normal é aquilo que acontece corriqueiramente e sem surpresas. Mas isso não significa que seja certo. Há muito tempo, as relações entre os poderes, em Brasília, enveredaram por um caminho perigoso. O almoço que reuniu os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, representantes do Executivo e os presidentes da Câmara e do Senado, na terça-feira, é o mais recente exemplo de erosão de princípios básicos da democracia. Entre conversas, entrada, prato principal, sobremesa e cafezinho, foram mais de três horas. Há várias formas de interpretar a expressão “harmônicos e independentes entre si”.
Não deveria ser normal que integrantes do STF se reunissem em um almoço com parlamentares e ministros de Estado para costurar novas propostas legais. No caso, o que vazou da confraternização foi ainda pior: uma espécie de ameaça do Congresso, que afirmou ser favorável à transparência no tema das emendas constitucionais, mas que cobrará o mesmo em relação aos gastos dos outros poderes. O STF deveria ser blindado contra interferências políticas de qualquer espécie. Sua função é ter a palavra final sobre temas constitucionais, quando provocado. A Suprema Corte é a última instância da democracia e da segurança jurídica.
Não deveria ser normal que integrantes do STF se reunissem em um almoço com parlamentares e ministros de Estado para costurar novas propostas legais
O que se vê é o uso inadequado da “harmonia” para desarmonizar.
Na Alemanha, por exemplo, a Suprema Corte não fica em Berlim, justamente para evitar qualquer aproximação que pareça promiscuidade.
Normal seria que o STF promovesse almoços apenas para seus integrantes, sem fotos, imagens e declarações que virassem manchetes. Transformar o tribunal em palco de disputas políticas é, para dizer o mínimo, um erro.
Tenho a sensação de que a divulgação da notícia de que todos os integrantes do STF estavam presentes, o que nem sempre acontece, tem mais a ver com outro tema: as denúncias de que o ministro Alexandre de Moraes teria atropelado os ritos legais para investigar integrantes do governo passado. A repercussão do convescote entre poderes tem uma leitura subjacente: o STF está unido. Seria uma boa notícia, desde que essa união fosse em prol do país e da Justiça.