Já sei por que Lula insiste tanto em opinar sobre a guerra de Gaza. É mais fácil apontar culpados pelo que acontece lá do que explicar como o Brasil ainda tem 49 milhões de pessoas sem esgoto e 5 milhões (duas e meia Faixas de Gaza) sem água encanada.
Os números do IBGE apareceram há poucos dias e mereceram poucos – ou nenhum – discursos inflamados dos nossos governantes. Para Lula, a crise humanitária no Oriente Médio se tornou uma obsessão. Outro dia, evocou a memória da própria mãe para, aos berros, manifestar uma posição política que considera de suma importância: “EU apoio a criação de um Estado palestino”, discursou, diante da torcida.
Para Lula, Lula é a grande notícia. Talvez ele não saiba, mas boa parte dos moradores de Israel e dos judeus do mundo também apoia a criação de um Estado palestino, assim como critica o governo Netanyahu. O que Lula ainda não disse é como construir esse novo país quando a força que governa hoje a Faixa de Gaza não aceita a existência do seu futuro vizinho e trabalha para destruí-lo, com terrorismo, sequestros, opressão de minorias, violência, radicalismo religioso e milhares de bombas lançadas em direção a cidades habitadas por civis em Israel. Lula defende uma ideia de fácil digestão, mas não opina sobre como chegar lá, porque isso implicaria admitir uma verdade que desagradaria à sua bolha: a culpa pelo que acontece em Gaza é menos de Israel do que das ditaduras e dos terroristas que proliferam na região.
Não me surpreende o fato de Lula não ter se desculpado pela infeliz comparação de uma guerra iniciada pelo Hamas com o extermínio de 6 milhões de judeus pelos nazistas. Fomos nós que o interpretamos mal, é o que diz. Lula se esquece do Hamas, dos reféns e dos assassinados em Israel. Essa indignação seletiva é fruto da ignorância e da radicalização política local, resumida no mantra “se o outro lado apoia Israel, eu sou contra”.
Enquanto isso, no Brasil, os yanomami seguem morrendo e milhões de crianças adoecem por falta de serviços básicos. Falar sobre o Oriente Médio, definitivamente, é bem mais charmoso. Nem que, para ser aceito no clube do qual decidiu ser membro, Lula desautorize Lula. A defesa convicta da energia limpa na campanha eleitoral se transformou, logo depois, em adesão à Organização dos Países Produtores de Petróleo, na qual as palavras democracia e liberdade são tão odiadas quanto na Faixa de Gaza governada pelo Hamas.