Pode ou não pode? Um homem e uma mulher casados, ambos com 93 anos, decidiram partir juntos. Foi na Holanda, onde a lei permite a eutanásia, “ato intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa”. Lá, tudo deve ser acompanhado por exames e por médicos, dentro de padrões rígidos de avaliação e de conduta.
Quando li, pensei: “Aí está um baita assunto para a coluna de Zero Hora: complexo, humano, desafiador, cheio de implicações morais, legais e religiosas”. Tantas que ainda não consegui, até agora, formar uma opinião sólida. A seguir, as minhas duas certezas que, combinadas, formam uma grande dúvida.
Certeza 1: sofrimento tem limite. Quando não há mais cura e nem esperança, um adulto e sua família deveriam ter direito a optar por um fim digno e sem dor. Ninguém consegue sentir o que esse homem e sua esposa sentiam. O respeito ao indivíduo é um preceito da democracia e um pilar da liberdade.
Certeza 2: a cura pode ser descoberta amanhã. Alguma coisa que esse homem e essa mulher ainda pudessem ter feito ou demonstrado teria o potencial de inspirar um filho, um amigo ou um neto.
Existe uma hora em que a verdade do outro é a única
A quem pertence a vida?
Talvez o segredo, nesse e em tantos outros casos, seja não ter certeza. Porque a solidez absoluta de uma convicção encerra a conversa consigo mesmo e tende a se transformar em tentativa de convencimento e imposição. Existe uma hora em que a verdade do outro é a única. Do lado de cá da vida, nós, que tanto temos por fazer, nos chocamos com o ato de determinar o próprio fim.
Minha tendência, feitas as reflexões que consegui elaborar até agora, é aceitar a nossa mais absoluta ignorância sobre as perguntas realmente essenciais. Decidir a própria morte é uma resposta a algo que não nos foi perguntado.
Durante o Carnaval, a Greice Zaffari, ex-colega do Farroupilha e querida amiga, postou uma frase do David Coimbra, um cara que mudou a minha vida e do qual tenho muita saudade: “Vamos em frente de cabeça erguida. Com um leve tremor ao pensar no futuro. Mas o futuro não é coisa para se pensar. O que existe é o presente e, se o presente pode ser sorvido integralmente, a vida passa a ser boa. E ela é. A vida é boa”.
Disse tudo, meu amigo.