Brasil: país onde decisões da Suprema Corte, em vez de encerrar polêmicas, as iniciam. Dois fenômenos interligados vêm ganhando consistência nos últimos tempos. O primeiro é o desvio de função do STF, que deveria ser um ponto de estabilidade e de segurança. Para isso servem os Tribunais Constitucionais: para dar a última palavra, não a primeira.
Hoje, os julgadores se tornaram, ao mesmo tempo, vítimas e atores da radicalização política, quando deveriam estar longe dela.
O segundo fenômeno, ainda mais perigoso, vem das ruas. Cada vez mais gente não confia e não acredita no STF. Tenho a sensação de que nossos ministros ainda não compreenderam a gravidade e a profundidade dessa ameaça.
Já fiz referência a esta conversa antes, mas ela ganha nova relevância atualmente. Faz alguns anos, conversei com um ex-ministro da Suprema Corte da Alemanha. Udo de Fabio esteve em Porto Alegre para participar de um evento e me concedeu uma entrevista esclarecedora. Disse que, enquanto esteve no cargo, nunca conversou com um político. A Corte Constitucional da Alemanha não fica em Berlim, a Brasília deles. Fica em Karlsruhe, 678 quilômetros distante da sede do governo e do parlamento. Por quê? Para que os filhos dos magistrados, dos deputados e do presidente não sejam colegas na escola, para que não se encontrem em festas e em restaurantes ou sejam vizinhos.
As sessões da Suprema Corte da Alemanha não são transmitidas pela televisão ou pela internet. Os debates entre ministros são realizados com portas fechadas e as decisões, essas sim, são publicadas com absoluta transparência. Por fim, os integrantes da Suprema Corte têm mandato, com começo, meio e fim.
Na Alemanha, a população conhece a escalação da seleção, mas não sabe os nomes dos integrantes do tribunal mais importante do país. O foco está nas decisões, não nos decisores.
O querido e saudoso Ibsen Pinheiro, em uma das nossas conversas sobre futebol, argumentou, ao defender mudanças nas regras do jogo: "É muito poder nas mãos de uma pessoa só". Ibsen falava sobre o árbitro, antes do VAR. Imagine se esse árbitro pudesse, ao soprar o apito, decidir sobre multas de R$ 8 bilhões. Jamais, em hipótese alguma, duvido da capacidade ou da honestidade de qualquer integrante da nossa Suprema Corte. Mas a história nos ensina que determinadas decisões não podem e não devem ser tomadas por uma única pessoa. Porque, no outro dia, é o nome dessa pessoa que vai estar nas manchetes, e não o do tribunal do qual ela faz parte.