Tulio Milman

Tulio Milman

Consultor, formado em Jornalismo pela PUCRS e com especializações em Marketing pela ESPM, Recursos Humanos pela EAE (Espanha) e Storytelling por Stanford (EUA). Visitante convidado pela Wharton School em 2017 (Pensilvânia, EUA). Escreve semanalmente em ZH e GZH.

Reflexões da paternidade
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Autoexigência

Até então, Maya ficava sentada no carrinho. Tudo mudou

Tulio Milman

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“Minhas cores favoritas são vermelho e roxo”, anuncia Maya cada vez que depara com elas, seja em um carro que passa, em uma roupa ou em flores que encontra pelo caminho.

Foi o que aconteceu alguns dias atrás, no supermercado. Até então, Maya ficava sentada no carrinho. Vibrava ao ajudar o papai, colocando batatas e tomates nos saquinhos. Tudo mudou. Minha filha descobriu que os corredores são mundos fascinantes, cheios de possibilidades a explorar. Outro dia, pisquei e perdi a Maya de vista. Foram alguns segundos, até que ela apareceu, abraçada em um saco de ração para gatos. Não temos gatos. Ela me disse: “Eu preciso”. Minha estratégia agora é colocar tudo no carrinho e, na hora de pagar, deixar o que não é necessário: prendedores de roupa, esponjas coloridas, graxa para sapatos e, é claro, comida para felinos.

Na última vez em que fomos ao súper, Maya agarrou uma embalagem com 36 ovos de codorna. Eu disse: “Podemos levar, mas tem que cuidar, porque se cair, quebra”.

E foi assim pela meia hora seguinte. Ela pegando a embalagem, eu avisando para cuidar e recolocando-a no carrinho. Chegamos às flores. Maya escolheu dois buquês: um vermelho, outro roxo.  Então ela apontou para uma outra flor. “Essa é uma rosa”, expliquei.  “Não papai, é vermelha”, corrigiu, convicta. Tentei explicar:  “Sim, é vermelha, mas é rosa. É uma rosa vermelha. Rosa é uma cor, mas também é uma flor. Tem rosa rosa, mas tem rosa amarela, vermelha, azul”. Foi o melhor que consegui. Chegamos ao caixa.

Descarrega as compras, paga, carrega de novo para levar ao carro. Descarrega no porta-malas. Carrega na garagem do nosso prédio, em um outro carrinho. Entramos no elevador. Quando me virei para abrir a porta no nosso andar, ouvi um barulho. Maya havia puxado a sacola com os ovos de codorna, que se espatifou no chão. Dois quebraram.

Antes mesmo de eu demonstrar o meu descontentamento, Maya abriu um berreiro. “QUERO A MAMÃÃÃE”. Eu também, pensei. Deixei a Maya no apartamento, peguei um pano e voltei para limpar o estrago.

Três dias atrás, depois que ela adormeceu, fervi os ovinhos e descasquei um por um. O segredo é achar a película que separa a casca da clara. Aí fica fácil. Só que... esmaguei três ovos até pegar o jeito. Irritei-me comigo mesmo. A Maya que mora em mim sorriu, carinhosamente. Está tudo bem, foi sem querer, não faz mal, não faz mal.


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