Se é perigoso falar de improviso sobre um assunto conhecido, imagine sobre temas pouco familiares. A chance de tropeços é gigantesca. Nos últimos dias, muito se tem debatido sobre a frase do presidente Lula, que comparou a ação do exército de Israel ao massacre de 6 milhões de judeus pelos nazistas. É uma opinião equivocada e infeliz. Mas isso a imensa maioria das pessoas minimamente lúcidas já vem dizendo, mesmo as que criticam o atual governo de Israel, o que é legítimo e democrático.
Me permito, na condição de neto de sobreviventes do Holocausto, buscar um outro ângulo. Volto à frase de abertura deste texto. Quase tão grave quanto o conteúdo da afirmação de Lula é a sua conduta ao falar de improviso sobre um tema que não domina. Trata-se de uma mistura perigosa de arrogância e autossuficiência. O mundo mudou desde que Lula era aclamado nos cinco continentes como “o cara”. Lula também mudou desde então. Mas parece acreditar que o tempo não passou.
Lula deveria exportar nossa fórmula de convívio pacífico, em vez de importar o conflito
O presidente de um país com a história do Brasil, baseada na harmonia entre culturas, religiões e etnias, não pode, em hipótese alguma, colocar em risco essa conquista, que não é dele, mas das gerações que o antecederam. Lula deveria exportar nossa fórmula de convívio pacífico, em vez de importar o conflito. Com muita boa vontade, poderíamos até considerar que Lula apenas se deixou levar pela emoção, desde que tivesse, logo depois, corrigido o que disse. Em vez disso, aplaudido por uma bolha de bajuladores e de incendiários, resolveu bancar o erro.
Meu medo é que, desfeita a fantasia de que Lula seria, finalmente, reconhecido como o líder do mundo livre emergente, reste a ele o espaço da radicalização absoluta e da vaidade, que se alimenta do aplauso fácil e do elogio barato que vem da bolha.
Milhares de judeus votaram em Lula. A comunidade judaica brasileira é, na sua essência, plural. Há pessoas e movimentos de esquerda, de centro e de direita. Há quem odeie política e quem viva dela. Há religiosos, ateus e indiferentes.
Na condição de cidadão brasileiro, lamento o que está acontecendo. O Brasil virou notícia, novamente, pelo motivo errado: pela irracionalidade de um presidente.
Nos resta agora trabalhar para que os ânimos se acalmem. E torcer para que Lula, na solidão das madrugadas no Palácio da Alvorada, pense sobre o que realmente queria dizer e o que acabou dizendo de fato. Mesmo que, por orgulho, jamais reconheça, tomara que sejam duas coisas diferentes. Tomara.