Desconheço as entranhas de um telefone celular. Não faço ideia de como é por dentro e quais os sistemas que o fazem funcionar. Vale o mesmo para o elevador do prédio onde moro e para o motor do carro que dirijo. Quando compro uma banana, não sei se existe mesmo uma fruta por trás da casca. Mas confio. E compro.
A confiança é a base de tudo o que fazemos ou deixamos de fazer. Precisamos dela para fechar um contrato e para comprar uma maçã.
Essa é a nossa crise. Crise de confiança.
Ouvi depoimentos de pessoas que foram presas durante a baderna em Brasília. Uma mulher, chorando a sua decepção com as Forças Armadas, disparou: “Achei que eles iriam nos proteger”.
As Forças Armadas jamais disseram que iriam proteger vândalos. Mas alguém disse. E outros repetiram. E as Forças Armadas, que têm suas razões para isso, não negaram com a veemência capaz de fazer aquela mulher e outras tantas pessoas compreenderem.
Na raiz do que acontece hoje no Brasil está um processo de corrupção da confiança nas instituições, que se espalha, como metástase, para as relações pessoais, de consumo e sociais É assim que as ditaduras nascem: desconfiança, que gera medo. Surge então uma figura de força, o pai protetor, o porto seguro.
De fato, os riscos do que aconteceu em Brasília são mais amplos do que parece. De um lado, há os que querem derrubar o governo. E continuam querendo. Do outro, há o governo, que precisa redobrar os cuidados para que, sob o pretexto da manutenção da ordem ameaçada, não enverede por caminhos que levem à restrição de liberdades. Exemplos não faltam na História recente da Humanidade.
Nossa crise de confiança está intimamente ligada a uma outra: a de autoridade. Herança dos tempos de ditadura, confundimos autoridade com autoritarismo. Sem autoridade, uma sociedade não se organiza. O poder de decidir, de ordenar e de fazer cumprir é o cimento que nos mantém coesos, desde que formado e limitado pela legitimidade de eleições, concursos públicos e outros mecanismos claros e democráticos.
Desconfiar é necessário. Nosso cérebro, desde os tempos das cavernas, se organiza de forma binária. Quando um mamute se aproximava, precisávamos decidir em frações de segundo se aquilo era bom ou era ruim. Quem demorava, dançava. O software ainda está instalado em nós e dele muitos tentam se aproveitar, nem sempre para fazer o bem.